Entrevista a Hélder Pedro: “Sistema fiscal incentiva a manutenção de veículos antigos e poluentes”

24/01/2018

Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP. Créditos: Orlando Almeida / Global Imagens
Com o mercado automóvel nacional a apresentar sinais contínuos de retoma ao longo dos últimos anos, Hélder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), acredita que os próximos anos continuarão a trazer números positivos para o setor, mesmo que de uma forma mais branda do que nos anos em que o crescimento se fez com dois dígitos.

Considerando que foi um erro o final do incentivo ao abate de veículos em fim de vida e que a mobilidade elétrica precisa de incentivos mais fortes e ilimitados, Hélder Pedro recorda que também o sistema atual de classificação das portagens deve ser revisto rapidamente, uma vez que se encontra completamente “desajustado” face ao panorama atual da indústria automóvel.

Motor24: O mercado automóvel nacional terminou mais um ano com nota positiva. Como encara este ressurgimento do setor das vendas de automóveis depois de anos que se afiguraram dramáticos no nosso país?
Hélder Pedro: Tratou-se apenas de um fenómeno de ajustamento após uma situação de acentuada queda do mercado em 2012, provocada pela recessão neste ano. Seguiu-se um período de recuperação com crescimentos de 34% e 25% em 2014 e 2015. O crescimento de 7,1%, verificado em 2017, tem a ver com a estabilização do mercado, com um crescimento moderado.

M24: Após estes últimos anos de crescimento, haverá uma tendência de crescimento mais atenuado (ou nulo) no próximo ano. Haverá esse risco?
HP: Não será um risco mas sim uma evidência. O mercado recuperou da crise e evolui agora em função do ciclo económico e da conjuntura, uma vez que não se têm verificado profundas e repentinas alterações da fiscalidade. Com o desemprego a diminuir, o nível de vida novamente a aumentar e as taxas de juro estáveis é natural que o mercado continue a crescer, embora a um ritmo muito moderado, abaixo dos dois dígitos.

M24: Há hoje, também, uma estruturação das vendas que é algo diferente do que era antes da crise, com os particulares a terem uma preponderância inferior face a frotas e rent-a-car. Na sua opinião, este é um sinal positivo para o setor ou pode estar a aliar esta subida a um fator externo como o turismo pode ser também perigoso?
HP: O rent-a-car e o turismo fazem parte da envolvência do mercado atual e não podemos ignorar este fenómeno que esperamos venha para ficar. O mercado modifica-se em termos estruturais, os seus canais de venda também, refletindo alterações do perfil do consumidor e dos seus estilos de vida. Os operadores têm igualmente de se adaptar a este novo mercado.

M24: A ACAP há muito que tem defendido uma revisão do enquadramento fiscal do setor automóvel nacional, mas o que se tem visto é o contrário ou uma não ação dos Governos neste âmbito. Há alguma hipótese de se poder mexer na fiscalidade automóvel num futuro próximo?
HP: A ACAP tem vindo a defender a reposição do sistema de incentivos ao abate como forma de renovar o parque. Não faz sentido que os veículos anteriores a julho de 2007 paguem um IUC muito mais baixo do que os mais recentes e que tenha sido abolido o sistema de incentivos ao abate de veículos em fim de vida. Neste momento temos em Portugal um sistema fiscal que incentiva a manutenção de veículos antigos e poluentes, ou seja, o contrário de uma política que defenda o ambiente.

M24: Nem de propósito, com a questão da entrada em vigor do novo ciclo de emissões e de consumos, poderá isso também ter repercussões nos preços dos automóveis novos no futuro, atendendo a um previsível aumento dos valores de CO2 – mesmo que ligeiro?
HP: O novo ciclo de ensaios, o designado WLTP, foi implementado com o apoio da indústria na União Europeia. Todavia, o pressuposto desta alteração é de que, a verificar-se um aumento dos valores de CO2, isso não deveria levar a um agravamento da carga fiscal para os consumidores. Ou seja, os Estados terão de encontrar mecanismos de forma a assegurar aquela neutralidade. Foi isto que a ACAP já transmitiu ao Governo, em reuniões no Ministério das Finanças.

“o atual sistema de classificação de portagens está claramente desajustado face à realidade”

M24: Ainda no capítulo fiscal, há hoje um incentivo fiscal para quem pretende adquirir um carro elétrico, mas muito limitado. Considera que, por uma questão de aceleração da implementação da mobilidade elétrica, se deveria aumentar esse mesmo limite ou aumentar o valor atualmente disponível (atendendo ao que oferecem outros países, por exemplo, em Espanha)?
HP: A ACAP é de opinião que a mobilidade elétrica deve ser incentivada pelo Governo, mas não só através de incentivos financeiros diretos, mas também a outros níveis, especialmente no investimento na rede de carregamento, uma vez que esta será crucial para o aumento do número de veículos em circulação. Mas defendemos que o valor do incentivo deve ser aumentado e que não deverá existir uma limitação do número de incentivos a conceder.

M24: Esse mesmo incentivo não poderia ser também utilizado, mesmo que de uma forma mais baixa, para incentivar a compra de um carro novo mais eficiente em troca de um ‘velho’ para abate, uma vez mais pensando-se naquilo que é um exemplo bem próximo com o Plano PIVE? Com o parque automóvel algo envelhecido como o nosso, não seria uma boa forma de melhorar a eficiência dos nossos carros?
HP: A resposta é claramente sim, deverá ser reposto o incentivo ao abate dos veículos em fim de vida. Foi um erro ter sido eliminado, com consequências negativas para o ambiente.

M24. Em termos de produção automóvel, o braço de ferro na Autoeuropa preocupa uma entidade como a ACAP? Que desfecho vê para esta situação?
HP: A ACAP está a acompanhar, atentamente, a situação vivida na Autoeuropa, que é uma empresa nossa associada. Estamos em crer, que o bom senso irá preponderar e que a fábrica irá cumprir os objetivos de produção previstos. Isto é fundamental antes de mais, para o País, para as nossas exportações e para a nossa indústria automóvel. Mas, e é importante referir, será também muito importante para os trabalhadores da Autoeuropa, pois é a garantia de que esta empresa poderá, no futuro, vir a atrair a produção de outros modelos da marca e a ter uma importância estratégica no grupo Volkswagen.

M24: Está o nosso país preparado para abraçar a mobilidade elétrica como tanto se tem falado, ou ainda existem muitas limitações que dificultem esta visão?
HP: O nosso país tem dado passos no sentido certo e deverá continuar a investir na mobilidade eléctrica como forma de diminuir a poluição nos grandes centros urbanos. Pensamos que este Governo está bastante empenhado nesta estratégia. Isto, depois de ter havido uma certa estagnação, nesta política, durante o período de intervenção da designada troika.

M24: Em termos de legislação, a questão das portagens, sendo também ligada ao Governo, terá de ser alterada, mas será este ano? Cada vez mais marcas lançam carros com a dianteira mais alta – até por questões de segurança dos crash-tests. Continuar com o atual molde será exequível por muito mais tempo?
HP: A ACAP considera que o atual sistema de classificação de portagens está claramente desajustado, face à actual realidade da indústria automóvel assim como aos sistemas em vigor noutros países da União Europeia. A legislação europeia sobre segurança, nomeadamente, a Directiva relativa à Protecção de Peões, por razões técnicas veio introduzir alterações no design dos veículos, aumentando a sua altura ao solo. Em consequência, surgiram no mercado veículos utilitários, com peso bruto igual ou inferior a 2.300 kg, que não se enquadram num dos critérios definidos no Decreto-Lei nº 39/2005 de 17 de Fevereiro.

Hélder Pedro considera que os incentivos aos veículos elétricos deveriam passar também pelo reforço na rede de carregamento, aumento do valor e fim do limite no número de incentivos.

Esta situação veio provocar graves distorções no mercado, uma vez que os veículos em causa deixaram de ver praticamente possibilitada a sua comercialização em Portugal, pelo facto de pagarem a tarifa da classe 2 nas portagens. Por este motivo, o Governo terá de dar a maior urgência ao processo de alteração do actual sistema de classificação de veículos, para efeito de pagamento de portagens. A ACAP já transmitiu, pessoalmente, esta necessidade quer ao Sr. Primeiro-Ministro quer ao Sr. Ministro das Infraestruturas.

M24: Neste âmbito, como decorre o processo de entendimento entre o grupo de trabalho composto por marcas com o Estado e com as concessionárias, que são uma parte interessada neste assunto?
HP: O grupo de trabalho, criado por proposta da ACAP, apresentou o seu Relatório Final ainda antes do verão e este Relatório está na posse do Governo, que deverá iniciar o processo de negociação com as Concessionárias

M24: Como é que a ACAP vê a chegada destas novas tecnologias de assistência à condução ao setor automóvel? Uma revolução que tenderá a diluir a diferença entre marcas?
HP:A ACAP entende que será uma revolução, mas mais no sentido do aumento da segurança rodoviária. Existem estudos que indicam que o número de acidentes irá diminuir significativamente.