O Grande Prémio da China, a disputar este fim de semana, traz consigo um número bem redondo para a Fórmula 1. Mil grandes prémios espalhados pelos cinco continentes numa história que começou a 13 de maio de 1950, em Silverstone, num Reino Unido que se insinuou como um dos berços do automobilismo após anos de destruição causada pela Segunda Guerra Mundial. Desde então, a modalidade mudou sem nunca mais se deter, criando heróis e lendas, por entre muitas lágrimas, umas de felicidade, outras de pesar imenso.

O circuito de Xangai, na China, prepara a receção ao Mundial de Fórmula 1 e a realização da milésima corrida (embora alguns observadores entendam que esse valor não deveria ser celebrado já, apontando circunstâncias distintas) marca um ponto histórico para uma modalidade que conheceu imensas transformações ao longo deste mais de meio século de existência.

De um lado, os heróis das pistas e os virtuosos que se tornaram lendas pelos seus feitos e pelas suas personalidades. Nomes como Juan Manuel Fangio, o primeiro campeoníssimo da Fórmula 1 (considerado por muitos como o melhor de sempre), Alberto Ascari, Jim Clark, Jack Brabham, Graham Hill, Jackie Stewart, Emerson Fittipaldi, Niki Lauda, James Hunt, Nelson Piquet, Nigel Mansell, Alain Prost, Ayrton Senna, Michael Schumacher, Mika Hakkinen, Fernando Alonso, Sebastian Vettel ou Lewis Hamilton estão inculcados na própria genética da modalidade, todos eles celebrando títulos mundiais de pilotos que ajudaram a estabelecer os seus legados.

Outros heróis não obtiveram o triunfo máximo no campeonato, mas atingiram o estrelato na mente dos adeptos do automobilismo: Stirling Moss, Gilles Villeneuve ou Jean Alesi foram apenas alguns dos pilotos que lutaram por triunfos, esbanjaram talento em pista, mas nunca foram capazes de transformar essa sua competitividade em títulos. No caso de Villeneuve, acabou por ser a morte em pista a colocar um ponto final numa história quase de lenda que deixou adeptos consternados em todo o mundo.

Se o campeonato é feito de pilotos, as máquinas não deixam de ser fundamentais e, ao longo destes anos de existência um nome é corrente a todas as temporadas: Ferrari, que curiosamente até falhou a primeira prova do Mundial de Fórmula 1, disputado em 1950, no circuito de Silverstone. A equipa italiana é a mais antiga da competição e também aquela que tem presença contínua, tendo o seu historial praticamente entrelaçado com o da Fórmula 1, mesmo nas épocas em que a competitividade dos seus monolugares não chegava para lutar pelos triunfos.

Outras marcas e equipas entraram e saíram (BMW, Honda, Toyota) e algumas saíram mas viriam a regressar para se manterem na atualidade, como são os casos da Mercedes-Benz e da Alfa Romeo, presentes no Mundial de 2019. Curiosamente, a equipa italiana esteve no primeiro grande prémio, vencendo-o, e estará no 1000º evento. O historial da F1 é ainda composto pelas façanhas de equipas como a Williams, McLaren ou Red Bull, além das de muitas outras já desaparecidas, como a Lotus, Brabham, Tyrrell ou a Cooper.

Lendas forjadas

Tirando o público italiano – que tem olhos sobretudo para os Ferrari – são sempre os pilotos que encantam. Entre os nomes de lenda, alguns sobressaem. O primeiro dos quais é Juan Manuel Fangio, o argentino que nunca pensou ter uma carreira na Europa, mas que viria a ser o primeiro pentacampeão, com um talento que os seus rivais da época descreviam como sobrenatural, transformando carros medianos em vitoriosos.

O paladino da segurança

Depois, há nomes como o de Jackie Stewart, o grande paladino da segurança na Fórmula 1 na época em que a morte rondava em cada evento. Cansado de perder colegas e, acima de tudo, amigos numa era em que a modalidade permitia o ‘luxo’ de amizades entre pilotos e suas famílias, Stewart formou a Grand Prix Drivers’ Association (GPDA), que batalhou pela melhoria das condições de segurança nos circuitos e dos meios de assistência. Além disso, era um talento nato, valendo-lhe a alcunha de ‘escocês voador’, ajustado pelos seus três títulos mundiais.

Incontornáveis também os nomes de Graham Hill, outro dos pilotos britânicos de ponta, ou de Jim Clark, que à data da sua morte, numa corrida de Fórmula 2 em Hockenheim, era já o mais vitorioso da modalidade, sendo também conhecido pelo talento em pista. Foi, aliás, a sua morte que deu origem ao movimento que viria a estabelecer a GPDA, que permitiu salvar a vida de muitos outros pilotos ao longo dos anos.

Lauda renascido; duelo com Hunt

A década de 1970 trouxe consigo mais uma rivalidade épica, a do calculista Niki Lauda contra o exuberante James Hunt. O primeiro estabeleceu-se rapidamente como um piloto de ponta na Ferrari (sendo famosas as suas disputas internas com Enzo Ferrari, geralmente, pelo valor do seu salário…), enquanto Hunt deu nas vistas na igualmente exuberante Hesketh para depois assinar com a McLaren. Foi nessa que deu luta a Lauda, perdendo em 1975 e 1977, mas ganhando em 1976 numa temporada épica na qual se assistiu a uma das recuperações mais incríveis do desporto.

Vítima de um acidente gravíssimo em Nürburgring Nordschleife, Lauda viu o seu Ferrari engolfado por chamas, sendo socorrido por alguns dos seus companheiros de pista. No hospital, chegaram a ler-lhe a extrema-unção. Mas o piloto austríaco não cedeu aos intentos da morte e, embora marcado para a vida em virtude das queimaduras, apareceu em Monza apenas seis semanas depois para disputar o GP de Itália. A coragem valeu muito mais do que o resultado – um quarto lugar que até serviu para manter as suas esperanças ao título bem vivas (viria a perdê-lo na última corrida, disputada sob chuva intensa, ao desistir no início por considerar as condições demasiado perigosas).

O herói canadiano

Surgiram depois outros nomes, como os de Gilles Villeneuve, um franco-canadiano de baixa estatura que encantou Enzo Ferrari e que era considerado por esse como um filho. Nunca venceu um título, mas a condução espetacular (por vezes, causadora de despistes e acidentes) granjeou-lhe admiração de milhares de adeptos, por ser um impulsivo virtuoso. Na temporada de 1982, com o Ferrari 128 C2 a dominar os acontecimentos, teria a sua melhor oportunidade de vencer o cetro (se se descontar o ano de 1979 em que, humildemente, abdicou de lutar pelo título em favor de Jody Scheckter, companheiro de equipa na Ferrari), mas uma desavença com Didier Pironi no GP de São Marino gerou um clima quase insuportável na formação italiana.

O canadiano acusou o francês de não seguir as ordens da equipa e, na qualificação para o GP da Bélgica, a prova seguinte no calendário, na sua derradeira tentativa, encontrou o carro mais lento de Jochen Mass e, sem se conseguir desviar, embateu na roda traseira do carro desse e levantou voo. O Ferrari com o número 27 deu várias cambalhotas no ar e o piloto foi ‘cuspido’ para longe. Para o velho Enzo a sua morte foi sentida como a de um filho, confessando posteriormente que foi uma das piores sensações da sua vida.

Brasil no comando

Ascenderam posteriormente outras figuras de proa, com destaque para a língua portuguesa: o polémico Nélson Piquet, conhecido pelas suas tiradas menos simpáticas em jogos psicológicos que tiveram em Nigel Mansell o destinatário mais popular, mas que era rico em talento, e, mais tarde, o carismático Ayrton Senna da Silva, de cujas mãos se disse que era como Deus conduzia um Fórmula 1. O piloto paulista, reservado e tímido, mostrou o seu talento em pista e sobressaiu pela capacidade quase sobrenatural na chuva – como demonstrou tão bem no Mónaco, em 1984, ou no Estoril, em 1985.

Tão sobrenatural quanto a sua ligação com o divino, crendo em Deus e na sua justiça, bem presente na forma como disse alcançar a pole position demolidora no Mónaco, em 1988, deixando o seu companheiro de equipa, Alain Prost, a quase 1,5 segundos. Disse posteriormente ao jornalista Gerald Donaldson que “já não estava a pilotar o carro de forma consciente. Quase que estava a guiar por instinto, só que estava numa dimensão diferente. Estava bem para lá do limite, mas ainda assim era capaz de encontrar um pouco mais [de tempo]”.

A sua morte, causada por um acidente observado em direto por milhões de pessoas no dia 1 de maio de 1994, lançou ondas de choque por todo o mundo e na Fórmula 1. Incluindo naquele que era o seu principal rival e que também tem um lugar privilegiado na história da modalidade – Alain Prost. Os dois encontraram-se na McLaren e encetaram desde logo uma rivalidade que viria a ser conhecida como uma das maiores do desporto, culminando em manobras discutíveis de parte a parte (Prost em Suzuka 1989, Senna no mesmo local em 1990). O ‘professor’, como era conhecido Prost, venceu quatro títulos mundiais, abandonando a modalidade em 1993.

Ascendia depois o alemão Michael Schumacher, que trouxe novos patamares de exigência física e de competitividade para o desporto. Aos comandos do Benetton em 1994 e 1995, o alemão mostrou logo um talento superlativo, que o levou ao desafio supremo de recolocar a Ferrari na senda dos títulos mundiais de pilotos depois de o último ter sido conquistado com Scheckter em 1979. Depois de duas tentativa falhadas na última corrida (Jerez de la Frontera em 1997 e Suzuka 1998), a glória veio em 2000, dando azo a uma era de ouro da Ferrari e do piloto, que venceu mais cinco campeonatos do mundo, sendo hoje o mais bem-sucedido piloto da história da F1. O seu talento foi sublinhado pela presença de rivais fortes como Mika Hakkinen, o finlandês que foi campeão do mundo em 1998 e 1999 com a McLaren e que fazia uso de enorme frieza e talento impressionante para batalhar contra Schumacher.

Na época contemporânea, os desígnios vitoriosos da Fórmula 1 ficaram entregues a nomes como Fernando Alonso, que foi bicampeão com a Renault em 2005 e 2006, procurando depois reencontrar (sem sucesso) a glória na Ferrari e na McLaren, Sebastian Vettel (sucessor de Schumacher numa época de ouro com a Red Bull) ou, mais recentemente, Lewis Hamilton, cujo domínio na F1 tem sido feito em paralelo com as energias da Mercedes-AMG e com os novos regulamentos técnicos que trouxeram os V6 híbridos para a modalidade.

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