Quase revolucionário para a Volkswagen, o novo ID.3 representa a entrada no capítulo elétrico da marca, não havendo mesmo constrangimentos em comparar este compacto 100% elétrico ao histórico Carocha, o modelo que colocou a Volkswagen definitivamente na senda do sucesso. A comparação percebe-se: quase tudo no ID.3 é de nova geração, desde a plataforma à solução técnica e tecnológica.

Quase tudo muda com o ID.3, num mundo diferente em que a eletrificação e a digitalização ganham uma nova preponderância, a par de uma ideia de funcionalidade num ‘pacote’ compacto que tem paralelo no Golf, mas que é mais espaçoso a bordo graças aos méritos da plataforma elétrica MEB que foi estreada neste Volkswagen e que será aplicada também noutros modelos (como no ID.4) e noutras marcas do Grupo Volkswagen. Assim, face ao novo Golf, é 23 mm mais curto (4261 mm), mas 20 mm mais largo (1809 mm) e 96 mm mais alto (1568 mm), enquanto a distância entre eixos é 129 mm mais longa (2771 mm).

A intenção é começar a marcar uma forte presença no mercado dos elétricos, procurando ganhar o espaço e as mentes de muitos clientes que apenas pensam Tesla… O que não se afigura fácil para qualquer outro construtor, mas o ID.3 tem tudo o que é preciso para consegui-lo.

O primeiro aspeto de destaque do novo ID.3 é o seu estilo evoluído, partilhando muitos dos códigos linguísticos com outros modelos da marca, ainda que se verifiquem extremidades muito curtas e uma distância entre eixos maior que lhe permite ter uma habitabilidade equivalente à de um Passat. Arrojado, sem dúvida. Os faróis podem ter animações gráficas a abrir e a fechar as portas, por exemplo, num toque mais afável, enquanto as jantes de grandes dimensões (20 polegadas) têm um desenho aerodinâmico.

O espaço a bordo é mesmo uma mais-valia, sobretudo atrás, com dois passageiros adultos a sentarem-se facilmente, dispondo de ótimo comprimento para as pernas e altura, sendo apenas a largura a cota que mais destoa na apreciação da habitabilidade. Ainda assim, um terceiro ocupante não é proibitivo, acabando por ser até o relativo desconforto do lugar central a ditar uma utilização melhor para quatro do que para cinco.

Ainda no interior, o desenho vanguardista e minimalista assente num painel de instrumentos totalmente digital – mas de pequenas dimensões (5″) e pouca personalização – a que se junta um ecrã tátil central (10″) que serve de núcleo de controlo geral para o sistema de infoentretenimento e controlo de funcionalidades do ID.3. O sistema pretende ser intuitivo, mas notam-se alguns ‘soluços’ na transição entre ecrãs e menus, algo que deverá ser melhorado posteriormente com atualizações ‘over-the-air’. Há ainda muitos locais de arrumação e posto de carregamento de smartphones sem fios na consola central entre os bancos dianteiros.

O sistema de infoentretenimento de nova geração pode ainda ser ligado aos sistemas Android Auto, Apple CarPlay e Mirror Link para conectar o smartphone ao sistema do veículo. O head-up display de grandes dimensões com realidade aumentada aumenta a funcionalidade e o valor do ID.3.

Outros aspetos decorrentes da digitalização e do progresso tecnológico passam pela adaptação a novos formatos de interação, como os comandos táteis, algo que merece alguma habituação como é o caso do teto de abrir, nem sempre ideal quando se está a conduzir e o dedo tem de manter uma certa pressão para abrir ou fechar. Nessa mesma lógica, também há comandos táteis na porta do condutor para definir o controlo dos vidros dianteiros e traseiros (ideia pouco interessante), assim como o ajuste dos espelhos retrovisores. Ou seja, a partir do mesmo comando dos vidros na porta do condutor pode-se abrir ou fechar os vidros da frente e os de trás, mas preferíamos comandos dedicados para cada um dos vidros, como sucede na totalidade dos outros automóveis.

Percebe-se que se queira ser inovador e arrojado, mas tal como sucede nos Tesla – com a sua panóplia de funções centrada no ecrã tátil –, por vezes, é preferível ser mais tradicional do que tornar uma ação simples em complexa. Nada que a habituação não colmate, mesmo que não nos pareça ideal.

Abaixo do ecrã central também há botões de volume e da temperatura táteis e quatro teclas de atalho um pouco mais abaixo, um para o menu de estacionamento, outro para a climatização, outro para os assistentes à condução e o derradeiro para os modos de condução.

Se a construção nos parece irrepreensível, em linha com o que é de esperar da marca alemã, já os materiais não, abusando dos plásticos duros no tablier.

Dinâmica interessante

Nesta primeira vaga de lançamento, com a versão ‘1st Edition’ a Volkswagen aposta numa configuração que lhe deverá valer grande sucesso, com um motor elétrico de 150 kW (204 CV), posicionado na traseira, alimentado por uma bateria de iões de lítio de 58 kWh, capaz de oferecer 420 quilómetros de autonomia homologados em ciclo WLTP. Esta situa-se no patamar intermédio, já que haverá uma bateria de 48 kWh e outra de 77 kWh. A tração faz-se ao eixo traseiro, com recurso a uma caixa de relação única.

Uma vez sentados ao volante, o ID.3 está pronto para a viagem. Verdadeiramente. Detetando que o condutor está no seu posto, um sensor ativa todas as funcionalidades e o carro está pronto a seguir viagem – escondido na coluna da direção, do lado direito, está um botão de ignição, para poder acionar ou desligar o motor caso o deseje. O comando para arrancar é dado ao acionar o modo ‘D’ de ‘Drive’ (ou ‘B’ de ‘Brake’ para acentuar a regeneração) numa haste situada num prolongamento à direita do painel de instrumentos, que deve ser rodada cima para avançar ou para baixo para acionar a marcha-atrás. Em modo ‘D’, o ID.3 consegue rolar sem grande desaceleração, ao contrário do modo ‘B’, no qual a intensidade da travagem é muito forte.

Como sucede nos elétricos, o ritmo do ID.3 pode ser facilmente elevado, graças ao binário instantâneo (310 Nm), dando a este Volkswagen a capacidade para rivalizar com os desportivos – aliás, a própria Volkswagen diz que este elétrico pode ser tão rápida a acelerar como um desportivo GTI. A aceleração dos zero aos 100 km/h cumpre-se em 7,3 segundos, com o compacto elétrico a mostrar prestações muito interessantes, além de retomas que conseguem impressionar.

Os modos de condução permitem alterar alguns dos parâmetros de funcionamento do ID.3, desde a entrega da potência ao nível de regeneração, com o ‘Sport’ a ser aquele que mais adrenalina oferece nos arranques e o ‘Eco’ a ser o mais eficiente, tornando as respostas mais suaves e a climatização controlada. Há ainda modos ‘Comfort’ e ‘Individual’, mas o modo ‘Eco’ é sobejamente suficiente para as deslocações diárias com desafogo, ajudando a poupar energia.

E dura, dura, dura…

Ora, um dos aspetos que mais costuma ser preocupante em elétricos é a autonomia, mas o ID.3 é verdadeiramente eficiente, com uma ‘drenagem’ da carga da bateria bastante acertada. Por exemplo, no trajeto que é usualmente mais castigador para um elétrico, em autoestrada a 120 km/h, percorreram-se 30 quilómetros com um impacto equivalente na autonomia. Ou seja, até surpreende pelo seu desempenho, tendo o nosso ensaio retribuído com um consumo energético médio de 15.1 kWh/100 km. Isto quer dizer que o ID.3 tem uma autonomia bastante fidedigna de acordo com o que é anunciado em ciclo WLTP (média de 15.7 kWh/100 km), podendo até superá-la com condução cuidada.

A inteligência artificial disponível também dá dicas para ajudar a poupar energia, por exemplo na aproximação a rotundas, com a regeneração do ID.3 a ser importante para manter a autonomia num bom patamar.

No momento de carregar, a Volkswagen propõe carregamento em AC e DC (postos rápidos), com a possibilidade de carregar a 100 kW em DC e 11 kW em AC com recurso a uma ‘wallbox’, naquela que é a melhor forma de desfrutar de um EV no dia-a-dia. Ligar o ID.3 à tomada doméstica equivale a uma longa espera, tal como nos outros elétricos de grandes baterias, pelo que é apenas proveitoso para pequenos carregamentos, não servindo para acumular muita energia. Num ponto de carga de 100 kW, meia hora basta para ‘ganhar’ 290 quilómetros de autonomia.

O comportamento do ID.3 é bastante satisfatório, não sendo excitante, mas com grande segurança em curva e estabilidade, o que se explica pela colocação da bateria entre os eixos e em posição bastante baixa, o que permite baixar o centro de gravidade, com virtudes notórias na dinâmica. Além disso, consegue uma boa combinação com o conforto dos passageiros, não obstante as grandes jantes de 20 polegadas que ainda assim lhe roubam alguma suavidade de rolamento em piso muito deteriorado. Nota ainda para o excelente isolamento acústico em viagem. Característica de que não gostámos foi a travagem, com um curso esponjoso e ponto inicial bastante macio para acomodar a travagem regenerativa, dando sempre um sentimento de artificialidade.

Do povo? Ainda não…

A gama do ID.3 terá um preço base de 38.017€ (First), mas a versão ensaiada ID.3 First Max apresenta-se com um custo de 50.024€, dispondo de mais de 11 mil euros em opcionais, como as jantes de 20 polegadas ‘Sanya’, o sistema head-up display, os faróis de LED Matrix, o teto panorâmico, carregamento por indução do smartphone e sistemas completos de segurança Travel Assist, com Lane Assist, Lane Keeping e Alerta de Emergência. Uma mais-valia de lançamento. Ainda assim, mesmo a versão base desta variante com bateria de 58 kWh não permite que se considere um modelo do povo, como o antigo Carocha. Mas mostra que a Volkswagen está no bom caminho.

VEREDICTO

O ID.3 concretiza o primeiro passo do processo de transformação da Volkswagen rumo a um futuro sem emissões. Aguardado com natural expectativa pelos entusiastas da mobilidade elétrica, o ID.3 cumpre com os seus objetivos de chamar uma faixa de clientes nova e adepta de novas tecnologias, que olha para um automóvel também como um ‘gadget’ de última leva. Nessa circunstância, este Volkswagen ID.3 tem todos os trunfos, com uma série de funcionalidades novas e foco na digitalização – mesmo que alguns dos aspetos na interface Homem-Máquina nos pareçam excessivos (caso dos comandos dos vidros na porta do condutor).

Contudo, há uma enorme mais-valia no capítulo das prestações e da eficiência energética, tratando-se de elétrico com autonomia muito fidedigna e ‘disparo’ pronto na condução que, sem deslumbramentos, é muito eficaz. Bem equipado, o ID.3 1st Edition não é, porém, o elétrico do povo pelo preço que é pedido, mas é um dos mais competentes na premissa familiar, sendo fácil de colocar na lista de potenciais compras para quem adota a mobilidade sem emissões. A Volkswagen já definiu a sua ‘estrada de tijolos amarelas’ e o ID.3 está pronto para percorrê-la sem ruído e sem emissões.


MAIS
Qualidade geral
Solidez de condução
Prestações e autonomia
Eficiência
Habitabilidade

MENOS
Preço elevado
Excesso de plásticos a bordo
Interações táteis nem sempre intuitivas

FICHA TÉCNICA
Motor Elétrico, síncrono permanente, posição central
Potência 150 kW/204 CV
Binário 310 Nm
Bateria Iões de lítio, 58 kWh (62 kWh total)
Tração Traseira, caixa de velocidade única c/ modo ‘B’
Autonomia WLTP 420 km
Acel. 0-100 km/h 7,3 s
Velocidade máxima 160 km/h
Consumo combinado WLTP 15.7 kWh/100 km
Dimensões (C/L/A) 4261/1809/1568 mm
Distância entre eixos 2771 mm
Mala 385-1267 litros
Peso 1794 kg
Pneus 215/45 R20
Preço base 38.017€ (ensaiada: 50.024€)

Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.