Os automóveis elétricos são hoje incontornáveis e terão um peso cada vez maior nos diferentes mercados mundiais. Razão pela qual o Grupo Renault irá reforçar a sua aposta nesta tecnologia, com modelos para a Renault e para a Dacia. Mas, também já se assiste a uma diferença nas expectativas dos próprios clientes dos veículos elétricos, que parecem já não estar reféns da ansiedade da autonomia em virtude da melhoria da rede de carregamento. Isso mesmo levará a uma aposta noutras propostas, com um novo modelo a caminho da Europa para ficar abaixo do bem-sucedido ZOE.

Esses foram apenas alguns dos tópicos abordados por Gilles Normand, vice-presidente do Grupo Renault para a área dos Veículos Elétricos e da Mobilidade, que em videochamada respondeu às questões dos jornalistas sobre o momento atual da mobilidade elétrica, mas sobretudo sobre o futuro, cuja indefinição se tornou ainda maior com a chegada da pandemia da Covid-19.

Explicando que o caminho da mobilidade elétrica se faz em sentido único – “quem experimenta os carros elétricos já não volta para os carros com motor de combustão” –, Normand indica que os clientes atuais dos veículos elétricos começam a revelar uma posição diferente em termos de necessidades.

“Estamos a chegar aos clientes mais racionais e não só àqueles que gostam de novas tecnologias ou que têm uma consciência muito ecológica. Mas o importante é financiá-la [a mobilidade elétrica], porque é um pouco mais cara logo de início. Ir dos motores de combustão interna para os veículos elétricos é uma viagem sem retorno. Quando partem para aí, não voltam para trás. Das nossas pesquisas, 95% dos clientes dizem-nos que não querem voltar para um carro térmico, porque os elétricos não têm ruídos nem vibrações, porque é suave e é divertido de conduzir, graças às boas respostas do motor”, aponta este francês, que está no Grupo Renault desde 1988. Na sua opinião, há ainda um outro efeito relacionado com este, que é a disseminação da mensagem.

“Por causa das pessoas estarem cada vez mais convencidas com os veículos elétricos, vão passando a palavra”, refere. No entanto, para atingir o ponto de viragem no mercado, em que os elétricos se tornam muito mais apetecíveis do que os carros térmicos, Normand diz que é preciso melhorar o lado técnico para aguentar uma utilização mais intensiva, reduzir o tempo de carregamento, aumentar o volume das vendas para reduzir os custos de produção e os custos de propriedade e melhorar a experiência do cliente.

Por outro lado, mencionando o que aprendeu já com o ZOE, Normand mostrou-se surpreendido com o facto de haver quem diga que quer modelos com autonomia mais baixa do que os quase 400 quilómetros oferecidos pela nova geração do elétrico francês, lançado no final do ano passado com uma bateria maior.

“No ZOE, alguns clientes disseram-nos que 400 quilómetros eram demasiado. Nos primeiros anos éramos afetados pela ansiedade de autonomia, mais importante porque não existiam muitos postos de carregamento. Agora começa a ser o contrário. Agora é mais fácil detetar postos de carregamento e a ansiedade de autonomia vem desaparecendo”, apontando até que o progresso da tecnologia e de todas as aplicações móveis vão ajudando nesse sentido.

Fará sentido, por isso, que a Renault traga para a Europa uma variante do seu SUV de segmento A com base no City K-ZE, que no mercado chinês tem uma autonomia anunciada de 250 quilómetros fruto da sua bateria de 26.8 kWh, com um motor de apenas 44 CV, dados que na Europa deverão ser ligeiramente melhorados.

“Vemos que existe uma procura, seja para mobilidade partilhada ou utilização local. Temos visto que algumas pessoas dizem que não precisam de 400 quilómetros de autonomia. O que vemos é que quanto mais vamos diferenciando e mais para o mainstream, vamos para uma oferta mais abrangente”, considerou.

Comparação à francesa

Interrogado se o conceito do novo Renault ZOE é mais vantajoso face ao dos conterrâneos do Grupo PSA, Gilles Normand indica que são abordagens diferentes em termos de veículos elétricos, mas que a do Grupo Renault se tem mostrado acertada, com maior autonomia do que os modelos, por exemplo, da Peugeot, com o seu 208, com baterias semelhantes.
Gilles Normand explicou alguns dos planos do Grupo Renault para o futuro.

“Temos 10 anos de experiência, fomos pioneiros na mobilidade elétrica, o ZOE continua a liderar o mercado europeu dos veículos elétricos na Europa no primeiro trimestre, o que mostra que temos um bom produto. Se olharmos para o pack de baterias que temos no ZOE, é quase uma caixa retangular onde temos todas baterias, adaptámos a plataforma para acomodar este pack de baterias. Como sabem, especificamente, para o Peugeot e-208, a PSA escolheu uma abordagem diferente, com uma plataforma multienergia e têm um pack de baterias que não está unificado, está em diferentes partes sob o carro, quase como em cruz. Isso, juntamente, com uma boa experência na recuperação de energia de travagem e na gestão do motor acaba por nos levar onde estamos – com uma bateria de 52 kWh temos uma autonomia significativamente maior que eles, temos 395 km contra os valores deles”, aponta, embora prefira outra comparação.

“Agora, isso é comparar o ZOE com outros modelos de tejadilho mais baixo, o 208 e o corsa são mais baixos. Como sabem, a altura dita o arrasto que se tem no carro. Se quiserem uma comparação mais justa teriam de comparar com o e-2008, que tem a mesma altura que o ZOE e a comparação é ainda mais importante, porque o e-2008 é de 310 km e o ZOE é de 395 km. Ou seja, [o nosso resultado] é o fruto de uma melhor gestão da bateria, travagem regenerativa e o facto de o pack de baterias ser quase uma caixa de sapatos, com todos os módulos juntos”.

Mobilidade partilhada vai ser afetada pela Covid-19

Tema central do momento, a pandemia de Covid-19 trará consigo algumas diferenças fundamentais na mobilidade, sobretudo quando se pensa na partilha de veículos em centros urbanos. O cenário é ainda pouco nítido, mas Normand, como responsável da área da mobilidade da Renault também observa algumas dificuldades para o setor.

O ‘senhor que se segue’: o Renault City K-ZE deverá chegar à Europa em 2021, como parte da ofensiva elétrica da marca francesa.

“É um pouco cedo para dizer. Mas se se olhar para o que está acontecer na China, o que podemos ver é que existe um maior apetite pelos carros particulares e muito menos apetite pelos transportes públicos e pelos transportes partilhados, como os táxis. E o carsharing está em crise. Não sei o que vai acontecer na Europa, mas o que estamos a sentir é que as pessoas vão usar menos transportes públicos. Os que puderem vão apostar mais na mobilidade suave, como as bicicletas, ou scooters, etc. Quem puder, vai usar um pouco de carsharing. É verdade que é partilhado, mas é menos partilhado do que um transporte público. Se usarem máscara e se usarem gel – estamos também a desenvolver um programa para limpar os carros de forma mais regular ou por gel nos carros -, então as pessoas usarão este meio um pouco mais. Definitivamente, quem puder, vai comprar um carro. Se isto vai ter um efeito duradouro, não sabemos mas é claro dizer que a transição da propriedade privada de um carro para os serviços de mobilidade, que é suposto acontecer nos próximos dez anos pode evoluir de forma diferente”, observa.

“Se isso vai mudar devido à pandemia de Covid-19? Ainda é cedo para dizer, mas estamos numa posição para considerar mais mobilidade individual do que partilhada. O maior impacto deverá acontecer nos transportes públicos”.

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