Não é preciso retroceder muitos anos para se encontrar o primeiro esforço de entrada das marcas chinesas no mercado automóvel europeu. Na primeira década de 2000, modelos como o Jiangling Landwind ou o Brilliance BS6 chegaram à Europa, mas a sua carreira comercial foi encurtada pelo desempenho bastante pobre nos testes de colisão da autoridade alemã de segurança, a ADAC.
Vendo a sua reputação afetada, deu-se um processo de afastamento que durou alguns anos, com os construtores chineses a encetarem então aquilo que se revelou uma estratégia correta, através de parcerias estratégicas profundas com outros fabricantes globais para o desenvolvimento dos seus carros. No fundo, tratou-se de uma estratégia que também veio a ser do interesse dos fabricantes europeus e americanos, já que conseguiram assim penetrar no rentável mercado chinês.
O progresso foi assinalável e, atualmente, os automóveis chineses conseguem posicionar-se entre os mais seguros nos testes muito exigentes da Euro NCAP, entidade que avalia a segurança dos veículos vendidos na Europa. Ao longo dos últimos meses, vários foram os modelos que garantiram as almejadas cinco estrelas naqueles testes, tornando-se mesmo referências num mercado cujos regulamentos são dos mais restritos a nível global.
O luso-descendente Sérgio Loureiro da Silva, Diretor de Design de interiores da Zeekr, marca chinesa que se apresta a chegar à Europa nos próximos meses, reconhece essa mesma ambição por parte dos fabricantes da China de superarem, com distinção, os testes da Euro NCAP. “Para os construtores chineses, é quase como uma obrigação, seria um problema não ter cinco estrelas na Europa”, explicou-nos recentemente em declarações ao Motor24, mostrando que a aprendizagem foi totalmente assimilada.
Eletrificação abriu ‘portas’Além disso, os construtores chineses beneficiam grandemente da abertura regulamentar permitida pela eletrificação: ao contrário da era dos motores de combustão, cuja regulamentação associada às emissões poluentes obrigava, na prática, a motorizações específicas para o mercado, o que tornava o cenário nada apelativo, a eletrificação nivelou o ‘jogo’.
Sendo a China o maior mercado automóvel global para os elétricos, é também um ‘hub’ para o desenvolvimento da tecnologia, com cerca de 200 construtores de veículos elétricos naquele país. Não é de estranhar, por isso, que seja da China que veem muitos componentes essenciais para os veículos elétricos (incluindo-se aqui os híbridos plug-in), nomeadamente, as baterias, com fabricantes como a CATL, a BYD ou a CALB, a terem um papel preponderante na evolução dos veículos elétricos.
Essa facilidade na obtenção de componentes torna a produção mais fácil e os custos mais baixos, permitindo que cheguem à Europa com preços relativamente competitivos, ainda que este não seja atualmente, ainda, um fator que faça pender a balança claramente para o lado dos chineses. As subvenções estatais do lado chinês também são vistas como determinantes para um posicionamento competitivo e arrojado no mercado global, mas, com efeito, na Europa, tal ainda não se reflete em preços vincadamente mais baixos.
Chegada em massa
Grandes grupos como o SAIC, a Dongfeng, a Geely ou a Great Wall Motors centraram as suas atenções na Europa e têm um plano estratégico de implementação muito ambicioso com uma clara aposta na criação de automóveis mais ao gosto dos europeus, tanto no estilo, como na tecnologia e na dinâmica de condução.
Neste lote incluem-se marcas como a Aiways (lançada no ano passado em parceria com a Astara), a BYD (que chegou a Portugal em parceria com a Salvador Caetano no início deste ano), a HiPhi, a MG (SAIC), a Qoros, a Ceres, a NIO, a Zeekr (Grupo Geely), a WEY e a ORA (ambas da Great Wall Motors) e a Xpeng, todas elas com um claro foco na tecnologia de ponta associada à sustentabilidade das emissões zero. Um dos pontos em comum é o facto de muitas delas terem nascido recentemente, sendo portanto marcas muito jovens, mas nalguns casos com uma forte alavanca de apoio por detrás, como a Zeekr (que deverá chegar a Portugal em 2025).
Pertencente ao Grupo Geely, um dos maiores da China, procura nivelar-se acima até de marcas ‘primas’ como a Volvo ou a Polestar, que também pertencem àquele grupo, beneficiando de alguns dos argumentos técnicos comuns, como as plataformas sobre as quais os automóveis são produzidos. A Geely é, aliás, um dos exemplos muito concretos da evolução através da absorção de marcas europeias, detendo também agora a smart (ao abrigo de uma joint-venture 50/50 com a Mercedes-Benz, sendo os veículos produzidos na China), a Lotus, a Proton, a Volvo e a Polestar, entre outras.
A acompanhar o lançamento dos seus produtos na Europa, muitas companhias têm também investido de forma avultada em infraestruturas de investigação em cidades europeias, mostrando dessa forma uma clara atenção às necessidades específicas dos clientes deste continente.
Risco de retaliação
A intenção anunciada por von der Leyen de investigar os eventuais subsídios estatais chineses às marcas chinesas, permitindo-lhes um acesso mais fácil à Europa, promete não ser pacífica, com a China a ver com maus olhos esta medida.
Em resposta ao discurso da Presidente da CE no Estado da União, o Ministério do Comércio da China emitiu um comunicado no qual acusou esta investigação de ser “um ato descaradamente protecionista que vai afetar seriamente e distorcer a indústria automóvel global e a cadeia de fornecimento, incluindo na UE, e terá um impacto negativo nas relações económicas e comerciais entre a China e a UE”.