No plano estratégico do Grupo Renault para o futuro, a eletrificação dita leis, mas espera-se, ainda que os motores de combustão interna tenham um papel determinante em muitos mercados globais para os quais será fundamental criar soluções neutras em emissões de carbono. O papel da Horse é, precisamente, o de continuar o legado da Renault nas motorizações térmicas, dispondo atualmente de 9000 empregados em três centros de investigação e desenvolvimento e oito locais de produção em sete países diferentes – Argentina, Brasil, Chile, Espanha, Portugal, Roménia e Turquia.
Portugal tem um papel igualmente relevante, com a fábrica de Cacia, perto de Aveiro, especializada na produção de caixas de velocidades, a situar-se também no caminho da estratégia da Horse, como revela em entrevista ao Motor24 o CEO da Horse, Patrice Haettel, que lidera este projeto desde o mês de julho de 2023 para comandar também o compromisso da marca com o clima nesta nova fase.
Com a regulamentação europeia a orientar claramente no caminho da eletrificação, Haettel explica que, globalmente, o motor de combustão integrado em sistemas híbridos tem ainda um caminho muito importante pela frente.
“Na Horse, temos uma visão pragmática e global da transição energética. Ao mesmo tempo que existe uma ênfase clara nos veículos elétricos na Europa, nós percebemos que não pode ser a única opção, já que outros países ou continentes têm os seus próprios planos de descarbonização e prazos”, explica o francês, que ingressou no Grupo Renault em 2005, ocupando diversos cargos na companhia. “Estamos a trabalhar no desenvolvimento de soluções de mobilidade responsáveis, sustentáveis e acessíveis que ofereçam uma alternativa real à eletrificação e abordem diferentes realidades globais. A nossa proposta envolve o desenvolvimento de motores híbridos, melhorando a sua eficiência, e adaptando os nossos motores de combustão para serem eficazes com os e-fuels para oferecerem performances elevadas com uma pegada neutra em carbono. Simultaneamente, estamos a explorar outras direções, como as tecnologias de hidrogénio, com o qual acreditamos que podemos vir a ter soluções futuras interessantes”, complementa.A discrepância no ritmo de descarbonização a nível global é uma das condições que a Horse pretende assim enfrentar, sabendo-se que nem todos os territórios estão em pé de igualdade no que toca à adoção da eletrificação.
“Estamos convencidos de que o motor de combustão ou híbrido tem um longo caminho pela frente. Os dados indicam que, em 2030, 95% dos motores na América Latina sejam de combustão, 94% na EMEA [NDR: denominação que engloba os mercados de Europa, Médio Oriente e África), ou 60% na América do Norte e Japão. Mesmo 40% a 50% dos carros na Europa serão ainda híbridos ou de combustão em 2030. Para lá dessa data, em 2040, mais de 50% dos novos carros a nível mundial serão híbridos ou de combustão. Além disso, temos de ter em consideração que há cerca de dois mil milhões de veículos atualmente em circulação e que eletrificar apenas a Europa é insuficiente. Precisamos de uma solução global”, refere Haettel, aplicando também uma frase que muitos outros responsáveis da indústria automóvel já proferiram anteriormente. “A mobilidade é um direito e, por isso, temos de garantir a mobilidade enquanto contribuímos para a descarbonização, oferecendo uma solução realmente acessível e sustentável”.
“Devemos oferecer alternativas que não deixem ninguém para trás, independentemente do sítio onde vivem”
O CEO da Horse não aponta datas para a apresentação dos primeiros frutos de soluções de motrizes, adiantando que “na indústria automóvel, os prazos não são imediatos. Os projetos levam tempo. Mas estamos a estabelecer as fundações, trabalhando dia-a-dia e com entusiasmo, muito esforço e com o conhecimento e experiência das nossas equipas para oferecerem soluções de mobilidade que ajudem no desafio da descarbonização. Quando existirem atualizações, vão ouvi-las”.
Com vários locais de desenvolvimento a nível global, o de Cacia, perto de Aveiro, manter-se-á como um dos pilares importantes para a estratégia da Horse. “A fábrica da Horse em Aveiro, Portugal, é crucial para nós. Tem uma capacidade de produção de 2500 caixas de velocidades por dia, além das bombas de óleo e de outras partes produzidas para os motores. É um elemento-chave da nossa estratégia. A Horse Portugal está pronta para novos projetos que possam ser significantes para a fábrica e que comprovam o nosso compromisso para com Portugal”, garante.
O papel de fornecedor
Além de ter uma óbvia ligação ao Grupo Renault com o propósito firme de manter o empenho no desenvolvimento de soluções híbridas para o futuro, a Horse tem também o desejo de atrair novos parceiros relevantes na área técnica e produzirem soluções que possam ser usadas por outros fabricantes automóveis.
A Geely, um dos maiores grupos automóveis mundiais, está já na calha para ser parceira da Horse, tendo uma divisão correspondente denominada Aurobay. Haettel diz que “o processo está em curso para o estabelecimento da joint venture. Estamos a trabalhar juntos de forma coesa para concluir esta operação com sucesso. O aspeto mais positivo desta aliança com a Geely, através da Aurobay, é que nos coloca numa posição muito forte: temos mercados complementares e produtos. Assim, não há risco de canibalização. Pelo contrário, juntos podemos cobrir até 80% da procura do mercado global”.
A Aramco, empresa especializada na área dos combustíveis, está também “bastante interessada em juntar-se à joint venture desde o início, tendo assinado uma carta de intenção”, algo que, a concretizar-se, poderá “ampliar as possibilidade no desenvolvimento de combustíveis sintéticos, hidrogénio ou outras potenciais tecnologias futuras”.
No entanto, uma das certezas de Haettel é que o desenvolvimento de soluções de baixíssimas emissões de CO2 para os motores de combustão ou híbridos terá bastante a ganhar, atendendo ao que está nas previsões para o futuro.
“Os nossos motores são muito eficientes e com emissões bastante baixas. Por exemplo, o motor HR12 de tecnologia híbrida [NDR: 1.2 TCe de três cilindros usado nos sistemas E-Tech] é o melhor da sua classe, com uma pegada de carbono 20 gramas abaixo dos principais rivais. Esse é o caminho em que acreditamos. Esta tecnologia híbrida combinada com os e-fuels deixaria uma pegada de carbono neutra. É uma solução responsável para o planeta e para as pessoas. Devemos oferecer alternativas que não deixem ninguém para trás, independentemente do sítio onde vivem”, assevera.
QUEM É PATRICE HAETTEL
Patrice Haettel conta com um longo passado ligado ao setor automóvel. Tendo-se formado em Engenharia pela École Nationale Supérieure des Arts et Métiers, Haettel trabalhou na Elf Atochem e na Total Petrochemicals antes de ingressar no Grupo Renault, em 2005, para um cargo na fábrica de motores em Cléon, embora também com responsabilidades na fábrica de motores de Valladolid (Espanha) e de Novo Mesto (Eslovénia). Depois, passou para cargos de supervisão em França até 2020, quando assumiu o cargo de Vice-Presidente para a marca Renault e Vice-Presidente de Produção e Cadeia de Fornecimento para a Europa. A 15 de março de 2023 foi nomeado CEO da Horse, cargo que foi efetivado a 1 de julho de 2023, com o objetivo de continuar o desenvolvimento dos motores de combustão e híbridos.
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