Olhando para o parque automóvel nacional, um dos pormenores que salta à vista quase de imediato é o do padrão cromático da maior parte dos veículos: entre o preto, branco e cinzento, as probabilidades de encontrar outra cor mais ‘exótica’ são baixas. Mas, o que diz a cor sobre o proprietário do automóvel?

Longe vão os tempos do primeiro carro produzido em série, o Ford T, o tal que poderia “ser de qualquer cor desde que seja preto”, como ironizou Henry Ford. Na altura, a produção industrial não permitia grandes fantasias e era esse o alcance das palavras de Ford. Contudo, com o passar dos anos, o desenvolvimento tecnológico veio abrir portas à enorme versatilidade e às economias de escala: na mesma linha do carro branco, um outro preto ou um vermelho se seguem, sem que para isso seja necessário mudar toda a zona da pintura ou os estados de alma.

A este respeito, Wassily Kandinsky dizia que “a cor é uma energia que influencia diretamente a alma“. O pintor que marcou as primeiras décadas do século XX com o traço abstrato em combinações únicas de tons e sombras não poderia estar mais certo. Já na Antiguidade, Hipócrates atribuía cores a estados temperamentais. E a psicologia moderna tem nas cores um dos seus pilares de análise e interpretação. Nem sempre a vida é um arco-íris, mas há tons que são um pote de ouro e a indústria automóvel que o diga: o branco e o preto são o sucesso clássico. Mas não bastam porque o mundo não é cinzento.

Mesmo assim, um pouco por todo o mundo, continuam a mandar os “suspeitos do costume”: o branco e o preto. A PPG, um dos maiores fornecedores mundiais de tintas e revestimentos para o setor automóvel, publica estatísticas anuais sobre o tema e a última, relativa a 2018, é clara (literalmente): o branco domina à escala global, com 39% dos automóveis de passageiros pintados nesta cor. Segue-se, com 17%, o preto e, em terceiro, com 12%, o cinzento. A cor prata, que muitos julgam ser a mais omnipresente, não vai além dos 10%. E, nestas quatro cores, já temos quase 80% do mercado mundial de ligeiros de passageiros.

Na Europa, o pódio não é assim tão diferente: 32% de carros brancos, 19% cinzentos e 18% de pretos. As diferenças vêm depois: o azul, com 10%, é a cor que se segue, ficando a prata em quinto lugar, com uns meros 8%. Face a 2017, as alterações são mínimas e a escolha tem-se mantido estável, fruto de uma boa parte do negócio ser movido por frotas e clientes profissionais: nestes casos, a escolha mais conservadora acaba por ser ditada à luz da revenda nos canais de seminovos ou usados.

SUV: disruptivos até nas cores

Há, porém, um segmento de mercado que tem trazido mais cor ao mercado europeu: os SUV. Olhe-se, então, para esta classe de veículos, que é, de resto, a que mais cresce no velho continente. De acordo com a PPG, os SUV (incluindo os de todas as dimensões e ainda os MPV), têm uma paleta mais diversificada do que qualquer outro segmento. Sim, é certo que os brancos e os pretos lá estão a conquistar a maioria, mas não chegam a metade do total.

Na verdade, é nesta classe de mercado que mais cresce a procura pelos dourados/beges (4% das vendas em 2018) e pelos castanhos (3%). Os tons vermelhos, com 7% do total, parecem conhecer sucesso (só no segmento dos compactos se verifica uma procura maior, com 8%).

Culturalmente atentos

Diferentes segmentos e diferentes geografias colocam um desafio extra aos construtores. Para além da perceção puramente biológica das cores, há costumes culturais a serem levados em conta. Na Europa, tomamos como certo que as noivas casam de branco, enquanto cor de pureza e inocência. Os recém-casados chineses, por outro lado, preferem vestidos vermelhos, pois, para eles, vermelho é fogo, fortuna e alegria. Como se percebe, um fabricante de automóveis não pode dispensar um olhar de antropólogo.

Um capricho?

Será a escolha da cor um aspeto secundário? Um capricho? Dificilmente. As cores têm mais efeito sobre nós do que poderíamos pensar. E, obviamente, quando se trata de automóveis, cores diferentes ajudam à diferenciação numa época em que ninguém quer ser igual ao outro.

A Skoda, por exemplo, tem experiências interessantes neste domínio, ou não fosse, recorde-se, uma das marcas com a maior escolha do mercado. E tem no seu portefólio quatro cores exclusivas e, digamos, corajosas: quer um carro único, daqueles que são produzidos apenas uma vez por ano? Então escolha algo como o Lilás, ou talvez um dos verdes – Mint ou Malachite – da gama da marca checa. Em 2017, cada um desses tons foi escolhido por um único cliente e cada um foi para um modelo diferente. A opção Rosa do Skoda Octavia provou ser mais popular… com dois clientes.

A relação das cores com a psique é debatida desde a Grécia antiga. No século V a.c., Hipócrates, frequentemente considerado o “pai da medicina”, foi o filósofo por trás da classificação dos temperamentos nas categorias “sanguíneo”, “fleumático”, “colérico” e “melancólico”, atribuindo cores diferentes a naturezas diferentes. Ainda hoje, um espectro de cores é usado em psicologia para testes de personalidade baseados nas tonalidades que pessoas diferentes preferem. Os pessimistas – e mais frequentemente os homens – tendem a usar cores mais escuras, enquanto as mulheres e os otimistas preferem tons mais claros.

Mas as cores não são apenas sinais ou faróis de “humores” (para usar outro conceito de Hipócrates). Elas impactam quase todos os aspetos da nossa relação com o mundo que nos rodeia. Como por exemplo, a forma como sentimos a temperatura. Várias pesquisas feitas no setor automóvel mostraram que os ocupantes sentados num carro muito quente não baixaram tanto a temperatura do ar condicionado quando o interior estava nas cores “frias” de violeta, azul ou verde. Pelo contrário, perante tons amarelos ou vermelhos, os participantes nas pesquisas evidenciaram uma consciência muito mais aguda do calor.

Neste sentido, tecnologias como aquelas que têm sido apresentadas pelas marcas de alteração de iluminação ambiente permitem formas diferentes de sentir a temperatura: cores frias no verão, cores mais quentes no inverno e vermelho ou laranja para manter a fadiga ao longe.

Tudo na cor tem uma emoção escondida, portanto. Como refere Kandinsky, o pintor do expressionismo abstrato e das explosões de tons, e provavelmente o mestre da escola Bauhaus mais consistentemente envolvido com o ensino da cor: “a cor provoca uma vibração psicológica. A cor esconde um poder ainda desconhecido, mas real, que atua em todos os lugares do corpo humano”.

Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.