Muitos construtores automóveis começam a rejeitar a oferta de caixas de velocidades manuais nos seus automóveis novos, a favor de caixas automáticas ou, em situação cada vez mais comum, em prol de motorizações elétricas que não requerem caixas manuais de todo. Porém, as caixas manuais ainda têm o seu espaço e alguns novos desenvolvimentos tecnológicos podem ajudá-las a sobreviver na era da eletrificação.

De elemento quase banal num automóvel a quase descartável, a caixa de velocidades manual tem feito um caminho inverso ao das caixas automáticas, cada vez mais implantadas no setor automóvel, a reboque de custos de produção e desenvolvimento mais reduzidos, comodidade de utilização e, não menos importante, um maior potencial de eficiência com a aliança a sistemas de hibridação ligeira (mild hybrid) de 48V, também mais em voga nos dias que correm. A facilidade de desacoplamento da transmissão quando em função de ‘roda livre’ permite que a caixa automática seja mais vantajosa neste aspeto para conter os consumos e as emissões.

Porém, o Grupo Hyundai (para os Hyundai e Kia de nova geração) procurou conjugar este último aspeto com o entrosamento proporcionado com a caixa manual, concebendo um sistema de Caixa Manual Inteligente (iMT), que combina algumas virtudes da automatização sem descartar a necessidade do pedal da embraiagem. Qual é o truque?

A característica mais importante deste sistema é o conceito ‘clutch-by-wire’, ou seja embraiagem de acionamento eletrónico. Ao invés de um sistema convencional com engrenagem mecânica, a caixa iMT tem funcionamento eletrónico, estando integrado no sistema eletrificado de 48 volts.

Como é numa caixa manual tradicional?

De forma muito resumida (e simples), num carro com caixa manual tradicional, que já existe há décadas, o condutor escolhe a mudança através da alavanca existente no habitáculo, que permite alternar as engrenagens da caixa de velocidades. Para fazê-lo, ao pressionar o pedal da embraiagem, o motor e a caixa são ‘separados’ enquanto se seleciona uma nova mudança. Isso é feito de forma mecânica e permite adaptar a velocidade do motor à velocidade pretendida na estrada.

Como é na caixa manual inteligente?

O princípio base é o mesmo de uma caixa manual convencional, mas o pedal da embraiagem controla tudo de forma eletrónica, com sensores integrados no ‘braço’ de acionamento do pedal a permitirem o controlo do sistema. Isso permite, em conjunção com o motor de arranque-gerador (ISG), desligar o motor de combustão mais cedo do que o atual sistema start-stop da Kia/Hyundai, o que lhe permite reduzir as emissões de CO2 e o consumo de combustível.

Em primeiro lugar, o condutor executa o processo de mudanças de velocidade de forma norma, exercendo pressão no pedal da embraiagem e utilizando a alavanca na consola central. Porém, o sistema eletrónico consegue determinar situações de carga neutra no motor ou momentos com o pedal do acelerador sem acionamento, fazendo com que o motor de combustão se desligue, ainda que com a mudança engrenada.

Com o motor desligado, o carro continua a sua marcha, com a embraiagem aberta a limitar a desaceleração e permitindo o aproveitamento da energia cinética ao máximo. Tome-se como exemplo uma situação de um semáforo com luz vermelha que entretanto passa a exibir luz verde. Inicialmente, o condutor aproxima-se do semáforo deixando a inércia fazer o seu trabalho: o motor desativa-se e a embraiagem ‘abre’, mas, assim que o condutor volta a acelerar ou pressiona o pedal da embraiagem para trocar de mudança, a unidade mild hybrid reativa o motor – na mesma mudança selecionada pelo condutor (ou em ponto morto caso este deseje efetuar uma troca de mudança).

A energia elétrica providenciada pelos sistemas MHSG e pela bateria de 48 volts coloca o motor e a transmissão na velocidade e na rotação corretas (um pouco como a Renault faz com o seu sistema totalmente automático E-Tech em que um segundo motor elétrico faz isso mesmo). Caso a velocidade desça abaixo de um determinado patamar de eficiência de funcionamento, o motor reativa-se com a embraiagem em ponto morto para evitar que o motor entre em esforço na mudança selecionada. Cabe ao condutor, depois ajustar a mudança ao ritmo do carro. Note-se que esta caixa inteligente nunca muda, por si só, a engrenagem, pelo que, caso o condutor não ajuste a mudança, ficará em ponto morto.

A Kia indica que este sistema, só por si, consegue reduzir as emissões de CO2 em até 3%, sem custos muito acrescidos em termos de produção de componentes ou de montagem, na medida em que o conceito é praticamente semelhante ao de uma caixa manual tradicional. Assim, sobretudo para os europeus – que ainda prezam muito a existência de um terceiro pedal –, este sistema acaba por ser uma mais-valia, permitindo o empenho de uma condução com caixa manual, mas com alguns benefícios da caixa automática.