Há quem fuja das estradas com curvas e há quem procure nelas a excitação de um momento, por mais efémero que seja. A Europa está repleta de traçados que podem assustar pela sua complexidade, mas que são autênticas obras da engenharia rodoviária. Neste artigo, exemplos que vão de Portugal à Roménia, passando por Itália, em percursos inesquecíveis que ‘pedem’ uma viagem após os tempos de confinamento. Até lá, vale a pena admirar e sonhar.

É comum dizer-se que o mais importante numa viagem não é o destino, mas sim a forma como se aproveita o caminho para lá chegar, o que é especialmente válido quando se conduz. Para muitos, esse sentimento de prazer associado à condução pode ser encontrado em tortuosas ‘serpentes’ de asfalto desenhadas nalguns dos locais mais inóspitos do planeta, proporcionando experiências únicas de adrenalina, mas que não dispensam os seus riscos ao percorrê-las. Até porque essa é condição sine qua non desta atração tão especial.

Bastante afamada, a Passo dello Stelvio (Strada Statale 38) situa-se na fronteira entre Suíça e Itália, sendo uma das mais impressionantes do mundo. Além dos encantos naturais desta zona montanhosa que no inverno chama os amantes de desportos na neve, a popularidade da estrada foi amplificada pelo apresentador de televisão Jeremy Clarkson, que chegou a apelidá-la de “melhor estrada do mundo para a condução” (não muito duradouro, como se verá adiante). A razão torna-se óbvia ao olhar para o conglomerado de curvas que rasgam esta parte dos Alpes.

Construída entre 1820 e 1825 a mando do Império Austro-Húngaro para ligar a Lombardia ao resto da Áustria, a estrada pouco se alterou ao longo do tempo. O projeto ficou a cargo de Carlo Donegani (1775-1845), que concebeu um percurso de 48 curvas no seu troço mais conhecido a Norte (no total são 75 curvas) com uma altitude de 2757 metros no seu ponto máximo. As curvas em ‘U’ minimizam a exigência de uma subida que, doutra forma, seria demasiado íngreme, sobretudo atendendo à necessidade do transporte de bens e material militar. A sua relevância na História fica também patente noutros aspetos: chegou a ser fronteira entre o Império Austro-Húngaro e o reino de Itália, além de ponto estratégico durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Hoje, a estrada que liga Bormio e Agums no troço mais marcante é um dos locais mais procurados por quem procura emoções ao volante.

E emoção não falta neste percurso que faz um cruzamento de heranças históricas. Naturalmente, um dos pontos mais interessantes é a visão que oferece uma vez chegado ao seu local mais elevado, mas a imponência das montanhas torna-se soberba no percurso. Com asfalto bem cuidado, mas também muito frequentada nos dias de semana (até porque existem muitos turistas e excursões locais), a margem para o erro não é muita – as ravinas são inclementes e a estrada é bastante estreita nalguns pontos, provocando assim um misto de excitação e nervosismo. Tornam-se hábito e instinto ao mesmo tempo. A juntar a isso, há que contar com os temerários condutores italianos – uma outra ‘aventura’. Mas é a experiência de percorrer aquele ‘novelo’ de curvas que aprisiona o sonho de quem gosta de conduzir, permitindo também explorar a mecânica e competência dos automóveis. Não é de estranhar, por isso, que a Alfa Romeo tenha optado pelo nome Stelvio para o seu SUV de aptidões desportivas.

Menos mediático, logo, menos frequentado, mas acessível pela Stelvio está um trajeto igualmente sinuoso, o Passo dell’Umbrail, que leva à Suíça e ao qual se acede perto de uma das antigas casas do pessoal de manutenção da estrada (Casa Cantoniera).

 

No rasto de Drácula

Atrás, falou-se do estatuto de melhor estrada do mundo para a condução atribuído por Clarkson à serpenteante Stelvio. Mas, isso foi em 2011. Três anos depois, a ‘coroa’ passou para outra via, uma que une mitos sobrenaturais a paisagens únicas. A Transfagarașan (ou, simplesmente, DN7C) ‘rasga’ os Cárpatos na Roménia, ligando Curtea de Arges a Cartisoara em mais de 150 quilómetros.

A sua construção está balizada entre os anos 1970 e 1974, época do xadrez da ‘Guerra Fria’ na Europa. O ditador romeno da época, Nicolae Ceasescu, temia uma invasão soviética e, caso tal acontecesse, desejava poder movimentar o seu exército de forma rápida pelo país. A solução foi a Transfagarașan, estrada que rompe as montanhas Fagaras (daí o seu nome, com o prefixo ‘Trans’ a significar ‘através’), unindo as regiões da Transilvânia e da Valáquia. De acordo com o folclore local, o número de mortes associadas à sua construção, maioritariamente a cargo de militares inexperientes no manuseamento de explosivos, superou em largas centenas as 40 fatalidades apontadas oficialmente.

De que não há dúvidas é que este percurso é marcado pela imensidão de curvas, mas também pela alternância de paisagens – ora verdejantes, ora sombriamente áridas –, incluindo também uma passagem por Arefu, onde se situa o Castelo de Poenari (que exige subida de quase 1500 degraus). Ali residiu Vlad III, que inspirou mais tarde a obra de Bram Stoker, ‘Conde Drácula’. Hoje em ruínas, ainda há quem julgue o castelo assombrado, com muitos dos comerciantes locais a capitalizarem com a popularidade daquele que ficou conhecido pelo cognome de ‘O Empalador’…

Partindo de Cartisoara, o objetivo é chegar ao Lac Bâlea, um lago gelado situado no ponto mais alto, a 2042 metros de altitude (onde há algum comércio e muito trânsito na maior parte das vezes). Porém, tanto a subida como a descida oferecem sensações únicas e múltiplos pontos de interesse. As curvas, quase todas em formato de gancho numa boa parte do trajeto, inspiram cuidado, mas são elas que atraem muitos dos visitantes à DN7C. A beleza das paisagens nalguns locais é de cortar a respiração, pelo que o interesse não está apenas na condução, mas sim no aproveitamento da viagem. Aliás, é na descida que se podem encontrar o Castelo Poenari e a opressiva Barragem de Vidraru. A estrada está encerrada numa boa parte do ano devido à neve, gelo e risco de avalanches, embora a data de ‘fecho’ temporário varie consoante o rigor do inverno.


À escala lusa

Encontrar percursos semelhantes em Portugal não é difícil, mas têm de ser encarados à escala. Sobretudo, se se olhar para a celebrada N2, que atravessa o país de Norte a Sul, ou para outras estradas sinuosas que se escavaram em serras, como as da Arrábida ou do Caldeirão. Mas, tesouro escondido para quem gosta de conduzir é a EN350, que liga Pedrógão Pequeno (junto à Barragem do Cabril) a Oleiros, numa combinação de experiência cénica com condução desafiante. A beleza da paisagem, o desenho encadeado de curvas, juntamente com o excelente piso e a boa visibilidade, fazem deste troço um dos mais aprazíveis do país. Pode não ser uma insana combinação romena, mas dará certamente para esboçar muitos sorrisos.

Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.