Automóveis para sempre

15/02/2024

Sempre admirei pessoas como o norte-americano Irv Gordon, que comprou um Volvo P1800 zero km em 1966 e rodou com este automóvel 5,15 milhões de quilómetros, até seu falecimento, em 2018, aos 77 anos. Gordon era um professor, que percorria cerca de 200 quilômetros por dia com seu coupé esportivo sueco no trajeto de ida e volta para o trabalho, ou mais de 100 mil por ano, perfazendo o equivalente a 127 voltas ao redor da Terra ou seis idas à Lua em 52 anos. Até perto do fim de sua vida utilizou regularmente o P1800, com o motor (retificado por três vezes) e a caixa de câmbio originais. O Volvo de Gordon é, de acordo com o Guinness Book, o veículo não comercial mais rodado do planeta. Gosto de quem gosta dos seus carros desta maneira e jamais se separa deles ao longo da vida.

 

Particularmente, desde que me entendo como gente, sempre gostei de automóveis. Por alguns que possuí, como um Volkswagen SP2 1974, um VW Karman Ghia TC 1973, um Ford Taurus 1997 ou um Ford Focus Sedan 2005, fui realmente apaixonado. Mas, paradoxalmente, nunca me apeguei muito a nenhum dos mais de 50 veículos que tive. Por uma razão ou por outra, sempre me desfiz dos meus carros com muita facilidade. Ora por uma necessidade momentânea, ora atraído por uma novidade supostamente mais interessante (que nem sempre se revelava melhor), acabava trocando de carro.

Raramente permaneci mais de dois anos com o mesmo automóvel. Quando o relacionamento com a máquina começava a se tornar mais íntimo, aparecia outro modelo que me seduzia – e lá ia eu para o outro volante. Essa volubilidade teve um lado bom: experimentei muitas máquinas e estilos diferentes de condução ao longo da minha vida de motorista. Isso proporcionou-me um bom conhecimento sobre mecânica, performances e indústria automotiva. Mas, por outro lado, trouxe-me alguns arrependimentos, visto que alguns desses modelos que considero inesquecíveis tornaram-se clássicos brasileiros caríssimos e inacessíveis ao meu bolso nos dias atuais.

Hoje, dói-me não ter conservado comigo pelo menos um dos carros que tantas alegrias me deu, como o citado VW SP2 Azul Caiçara – até por ter sido o primeiro. Esses relacionamentos de longa duração têm suas vantagens: cria-se, entre o homem e a máquina, um laço profundo de companheirismo e amizade. O dono aprende a linguagem do seu veículo e entende o que ele lhe diz quando tem algum problema, se algo está para quebrar ou até quando necessita de uma simples troca de óleo. E o carro se ajusta ao modo de dirigir do seu dono.

Essa intimidade gera confiança na máquina. Nada como conhecer cada parafuso do complexo mecânico que nos leva de um lugar para outro com liberdade, conforto, privacidade e segurança, além de outros prazeres. Mas isso só é possível com muitos anos de convivência – mesmo que nenhuma experiência se compare a de Irv Gordon e seu Volvo P1800. Por isso, sempre aconselho aos amigos mais jovens: se tiverem um auto ao qual se afeiçoaram verdadeiramente, nunca se desfaçam dele. Mesmo que já esteja obsoleto. Podem até comprar um elétrico de última geração para os deslocamentos diários, mas mantenham seu fiel companheiro de tantos anos sempre funcional. E peguem uma estrada com ele de vez em quando.

POR IRINEU GUARNIER
Fotografias: Eduardo Scaravaglione

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