Hidrogénio: vai o futuro passar por aqui? Ou andamos iludidos?

12/02/2024

O fecho de postos de hidrogénio na Califórnia reergue a discussão da viabilidade desta tecnologia aplicada a veículos. Terá mesmo futuro?

 

Hidrogénio: uma solução com futuro ou uma solução eternamente adiada? É em torno destas duas ideias que, habitualmente, se concentram, respetivamente, os defensores e os críticos da mobilidade fuel cell.

E esta semana, esta dicotomia apareceu de forma evidente com duas notícias díspares: uma ao encontro da ideia dos que erguem convictamente a bandeira do hidrogénio para o presente dos transportes e outra que reforça as convicções dos que entendem que os veículos fuel cell dificilmente irão passar à prática como viaturas massificadas.

Para os adeptos do “clube dos pró-hidrogénio”, o construtor norte-americano de camiões de emissões zero Nikola, através da sua marca de energia ‘HYLA’, abriu a sua primeira estação de reabastecimento de hidrogénio HYLA no sul da Califórnia, a 56 km do centro de Los Angeles, mais concretamente na estrada 2445 East Guasti Road, em Ontario (não confundir com Ontario, no Canadá).

A estação pode abastecer até 40 camiões elétricos com célula de combustível de hidrogénio Nikola todos os dias, fazendo parte de um plano estratégico para estabelecer até 60 postos de reabastecimento de hidrogénio nos próximos anos, nove das quais previstas serem implementadas até ao final do segundo trimestre de 2024, de acordo com a empresa.

“Facilitar a transição para um futuro de transporte rodoviário com emissão zero e dar prioridade ao acesso a uma rede de soluções de hidrogénio é nosso principal objetivo e estamos apenas a começar. Assim que as nove estações previstas estiverem em vigor até meados de 2024, a Nikola terá estabelecido uma das maiores redes de reabastecimento de hidrogénio para veículos pesados do mundo, proporcionando aos clientes acessibilidade nas suas localizações atuais e ao longo das rotas planeadas”, aponta Ole Hoefelmann, novo Presidente da divisão Nikola Energy.

A Nikola recentemente também anunciou um acordo de 10 anos com a FirstElement Fuel para uma estação de reabastecimento de hidrogénio em Oakland, Califórnia.

O fabricante afirma estar a garantir uma cadeia robusta de fornecimento de hidrogénio e uma infraestrutura de reabastecimento para apoiar a sua crescente base de clientes nos EUA. A ideia é que o desenvolvimento contínuo do ecossistema de reabastecimento fuel cell facilite mais a adoção de camiões elétricos com células de combustível a hidrogénio e contribua para a descarbonização do transporte.

Agora, as notícias para os militantes do “clube dos anti-hidrogénio”: a Shell está a encerrar as suas últimas sete estações de abastecimento de hidrogénio para veículos ligeiros na Califórnia, argumentando “complicações de fornecimento e outros fatores externos do mercado”, aponta Andy Beard, vice-presidente da Shell Hydrogen.

Com este encerramento, a Shell fica apenas a operar três postos de abastecimento H2 para veículos pesados no estado da Califórnia, no âmbito do projeto “ZANZEFF: Zero And Near Zero-Emission Freight Facilities”.

Curiosamente, o posto de abastecimento que a Nikola abriu está localizado a cerca de dez minutos de automóvel de um dos postos de abastecimento de camiões de hidrogénio que a Shell encerrou.

A carta enviada pelo responsável na Shell, em que comunica o encerramento dos postos de hidrogénio

Em setembro do ano passado, a Shell descartou ainda o plano de construir 48 novos postos de abastecimento de hidrogénio para veículos ligeiros na Califórnia, para os quais até lhe tinha sido concedido um apoio estatal de 40,6 milhões de dólares.

À publicação Hydrogen Insight, a Shell explicava em dezembro que daria prioridade ao hidrogénio para viaturas pesadas, ao mesmo tempo que investiria no carregamento de veículos elétricos para descarbonizar os veículos ligeiros.

Esta decisão tomada pela Shell pode refletir uma falta de procura. Embora a Califórnia tenha sido um dos poucos mercados para veículos movidos a hidrogénio a crescer, o facto é que apenas 3.143 viaturas foram registadas em 2023 – menos de 1% dos automóveis elétricos a bateria (BEV) no mesmo período, de acordo com os números mais recentes da Comissão de Energia da Califórnia.

A Shell também já tinha fechado em 2022 todos os seus três postos de abastecimento de hidrogénio no Reino Unido, numa parceria com a Motive, apontando a escassez de camiões pesados que os utilizassem.

O que é um facto é que este encerramento segue-se a uma série de outros fechar de portas de postos de abastecimento de hidrogénio no ano passado: duas de três estações fecharam em Londres em maio de 2023 devido à procura insuficiente; todas as estações de hidrogénio na Dinamarca fecharam em setembro; três quartos das estações de hidrogénio fecharam na Coreia do Sul em novembro.

O analista americano Michael Barnard refere que estas estações estão a ser “encerradas e desmanteladas em vários países porque não fazem sentido económico”. Para Barnard, a economia está a demonstrar que “simplesmente não funciona para veículos ligeiros”, com as vendas e o número de veículos ligeiros a células de combustível em operação a ser baixo, “com a Califórnia, epicentro do hidrogénio, a ter apenas 12.000 veículos ligeiros registados”.

Aponta ainda Michael Barnard: “Até fevereiro de 2023, havia aparentemente pouco mais de 800 estações de abastecimento de hidrogénio no mundo”, 231 das quais “ficaram sem hidrogénio e foram posteriormente encerradas, representando cerca de um quarto do total de estações no mundo”.

“Imagina ser proprietário de um automóvel a gasolina e saber que havia uma hipótese em quatro de que a única estação de gasolina a uma distância razoável de si estaria permanentemente fechada ou simplesmente sem combustível quando tentasses usá-la. Imagina ser um proprietário de frota nesta situação?”, aponta este analista.

Foco direcionado para os pesados

O facto de o mercado de veículos ligeiros e de estações de abastecimento para veículos ligeiros “ter colapsado, deixando angústia e dor económica para trás, significa que muitos intervenientes e governos desistiram disso a favor do transporte rodoviário mais pesado”, comenta Michael Barnard.

Ainda assim, para este analista, que escreve para a publicação Clean Technic, mesmo a utilização de hidrogénio em camiões pode não ser tão risonha quanto possa parecer: “O hidrogénio para veículos ligeiros está a seguir o seu curso, como tem sido completamente óbvio desde pelo menos 2012, quando o Tesla Model S foi lançado. Demorou um pouco, mas todo o mercado está a colapsar. Com agora quatro camiões de entrega elétricos de porte médio disponíveis por menos de $100.000 com autonomia de 400 km, esse mercado também está morto, a menos que os governos invistam muito dinheiro numa frota de hidrogénio”.

No entendimento deste analista, “um grupo de pessoas ainda tem esperança no hidrogénio para camiões de classe 8/N3, os maiores, mas estudos de custo total de propriedade estão a concluir que também são economicamente inviáveis em comparação com os camiões elétricos a bateria”.

E conclui: “A Europa está teoricamente a construir estações de abastecimento de hidrogénio a cada 200 km ao longo da sua rede rodoviária central TEN-T. Acreditarei nisso quando vir as estações serem construídas, e acreditarei que há um lugar duradouro para o hidrogénio no transporte rodoviário quando estiverem em funcionamento há dez anos. O primeiro provavelmente acontecerá em grande parte a €3-5 milhões por estação porque há muita inércia a favor do transporte rodoviário a hidrogénio, apesar de razões claras para avançar totalmente para o elétrico a bateria”.

A convicção deste especialista é que mesmos os camiões a hidrogénio perdem perante os elétricos, estes últimos mais baratos de ter e operar e com capacidade de fazer quase todo o trabalho logístico necessário.