Quando Senna e Fittipaldi partilharam a pista

16/02/2024

Há 40 anos, estes dois pilotos cruzaram-se pela primeira ocasião. A única na Fórmula 1. E a história tem a ver com a tentação de um regresso de um veterano, que acabou por acontecer… noutro lado.

Quem cresceu nos anos 80, sabe que Jacarépaguá era o centro do mundo da Fórmula 1 em Janeiro e Fevereiro, quando a Europa tinha as suas pistas cobertas de neve e as temperaturas bem baixas. Em contraste, o Rio de Janeiro, com o calor, a praia e as paisagens – quaisquer que fossem – eram um belo pretexto para se distraírem depois do trabalho que era o de desenvolver os carros para a primeira corrida do ano, que era desde 1981… ali mesmo, em Jacarépaguá.

 

E foi nessa mesma corrida desse ano de 1981 que o público assistiu a algo melancólico. Um Fittipaldi F8, pintado com o número 1, fazia uma volta lenta para receber os aplausos do público, na sua despedida. Aos 34 anos, Emerson Fittipaldi retirava-se, desgastado com 10 anos de competição, e cinco temporadas com a sua própria equipa, onde apesar de ter conseguido dois pódios, fora assobiado e vilipendiado pela imprensa local, onde achava que ser segundo classificado era ser o primeiro dos últimos, e pior: meses antes, o seu patrocinador, a cerveja Skol, tinha sido comprada por outra marca e a primeira coisa que fizera foi terminar o patrocínio de 3,5 milhões de dólares à equipa porque, alegadamente, não queria patrocinar “perdedores”.

Nos dois anos seguintes, com o irmão, tentou manter a equipa de pé, mas no final de 1982, com dívidas superiores a 10 milhões de dólares, fecharam as portas. Desmotivado, e no meio de um processo de divórcio, começou a pensar no que fazer com a vida. Um dia, cruzou-se com Mário Andretti que, mais velho que ele, continuava a correr na Fórmula 1 e na CART. Ele disse-lhe que andava por ali pela paixão. Deu uma chance e decidiu voltar a correr no Superkart brasileiro, só pela paixão. Foi o suficiente para a motivação regressar.

Em 1984, com 37 anos, perguntaram-lhe se não queria voltar a experimentar um Fórmula 1. Ainda por cima, um Turbo. A Spirit, equipa britânica fundada por Gordon Coppuck e John Wickham, tinha chegado ali a meio de 1983, vindo da Fórmula 2, e tinha servido de plataforma para o regresso da Honda à Fórmula 1, década e meia depois da sua partida, com o sueco Stefan Johansson ao volante. Contudo, no final do ano, a Honda decidiu ir para a Williams e a marca ficou com motores Hart cliente. Com os testes, convidaram Fittipaldi para experimentar o chassis e o carro, e claro, a imprensa local ficou entusiasmada com a ideia de um regresso do campeão de 1972 e 74.

Só que existia ainda outra coisa, e isso via-se nos desenhos do automóvel. Mickey, Pateta, Pato Donald? Tudo tinha a ver com um italiano, Fúlvio Ballabio. Ele era engenheiro, e tinha acabado de fundar a Monte Carlo Automobile, para construir supercarros. Para além disso, era herdeiro da Mondatori, um poderoso grupo editorial que tinha os direitos das personagens Disney em Itália. Aliás, o seu edifício-sede, em Milão, tinha sido desenhado por outro brasileiro, Oscar Niemeyer.

Só que Ballabio não era um piloto competitivo, apesar de ter conseguido três pontos na temporada de 1983 da Fórmula 2 europeia. A ideia, até, seria de ter Emerson a correr para ajudar a evoluir o carro e nas capacidades de pilotagem do italiano.

Mas cedo caíram as ilusões: o motor quebrou no primeiro dia, apenas conseguiu o 17º melhor tempo em 21 carros – e oito segundo mais lento que os melhores! – e para piorar as coisas, Ballabio, mais lento, não conseguiu a Super-Licença. Ele afirmou depois que a CSAI, a federação italiana, não entrou com os documentos na FISA, e a chance ficou para trás.

No final dos testes, Emerson disse à Rede Globo ao que vinha: “A minha vontade de voltar a guiar Fórmula 1 é competir. E se eu não tiver chance de competir, de competir bem, não vou voltar. O objectivo da Fórmula 1 é ganhar, e a minha volta como piloto tem de ser para andar entre os principais lá na frente. E se eu não tiver chance de andar entre os principais, não vou voltar, não.

Assim sendo, nem Ballabio, nem Emerson: a Spirit ficou com Mauro Baldi e o neerlandês Huub Rothengarter para a temporada de 1984. A equipa acabaria em 1985, depois de três corridas, e o contrato de pneus da Pirelli caiu nas mãos da Toleman, que nessa altura estava a ser comprada pela Benetton. Curiosamente, anos depois, Ballabio e Emerson voltariam a cruzar-se entre 1987 e 1990, na CART. O brasileiro nos lugares da frente, o italiano, no fundo do pelotão.