Miguel Eiras Antunes, líder global de cidades inteligentes da Deloitte, acredita que Portugal pode posicionar-se como mercado de testes e ecossistema de inovação e desenvolvimento na indústria automóvel.

Quais são as grandes tendências na indústria automóvel neste momento?


Há cinco grandes tendências. A primeira é a gestão do veículo: o foco passa a ser no serviço. Em vez de ser a gestão do veículo enquanto transporte, passa a ser a gestão do serviço de mobilidade. Cada vez assistimos a mais empresas do setor automóvel a entrarem em negócios de mobilidade. Decorrente dessa tendência, vê-se cada vez mais parcerias entre empresas do setor automóvel e empresas de tecnologia, porque aquelas perceberam que não tinham o know-how suficiente para entrar neste mundo mais conectado. Uma terceira tendência é a de parcerias entre as próprias empresas do setor automóvel. Ainda agora houve a fusão entre empresas de car sharing da BMW e da Daimler, porque perceberam que juntas conseguem ter um posicionamento mais forte.
A quarta tendência é a da sustentabilidade: energias limpas, veículos elétricos, carros a hidrogénio, economia circular. E a quinta tendência será a da autonomia e a conectividade entre os carros e a infraestrutura que os rodeia.
De que forma isto irá ter impacto no planeamento das cidades?
Os construtores automóveis fazem isto por causa das novas tendências de mobilidade. Há um menor sentimento de posse dos veículos, passam a ser partilhados progressivamente, e isto vai induzir uma maior eficiência no contexto das cidades. Há uma otimização progressiva do espaço do estacionamento. Outra coisa que está a ser discutida, e também em Portugal, é o retirar dos carros das cidades, fazendo o planeamento urbano com centros de mobilidade que são fora da cidade ou em localizações específicas onde as pessoas deixam o carro e depois se movimentam noutros meios. A mudança do que existe hoje vai demorar, mas as novas cidades que vão sendo criadas, na Ásia, por exemplo, já são planeadas tendo isto como referência.
Como se posiciona aqui Portugal?
Não temos empresas grandes do setor automóvel nem centros de decisão, mas temos a oportunidade de criar laboratórios vivos em Portugal. Usar as cidades, que têm uma dimensão mais pequena, para serem excelentes exemplos à escala global de tudo o que é inovação na mobilidade e tudo o que são boas práticas nesta área. Já temos hoje bons exemplos, como Cascais; Lisboa está a fazer um esforço muito grande e tem uma visão clara para o futuro. Estão cada vez mais empresas do setor automóvel a deslocalizarem os seus centros de desenvolvimento e inovação para a área metropolitana de Lisboa, e a oportunidade é que quanto mais empresas vierem para este living lab, mais virão a seguir, porque querem deslocalizar-se para ecossistemas. Diria que se cria um círculo virtuoso: sermos considerados em Portugal como um centro de inovação na área da mobilidade.
E com outras cidades além de Lisboa, como Braga, que tem um centro de inovação importante.
Braga tem, Viseu também tem boas experiências, muito ligados às universidades.
Referiu os carros a hidrogénio. Ainda é uma hipótese, ou vamos para a mobilidade elétrica?
As opiniões dividem-se um pouco. Fala-se muito nos veículos elétricos, e a verdade é que a curto prazo é o caminho que vamos percorrer, mas os entendidos dizem que o hidrogénio é de facto o futuro. É uma energia mais limpa e mais eficiente.
Coexistindo com a mobilidade elétrica?
Neste momento, vai haver uma substituição da mobilidade a petróleo para a elétrica. Depois, assistiremos à introdução também do hidrogénio como energia alternativa, que irá coexistir.
Como está a ver as coisas a evoluírem em termos de regulamentação?
Nas economias em que o poder é centralizado, ou que são menos democráticas, já assistimos a uma regulamentação mais rápida, porque exigem menos consensos. Em tudo o que são as democracias normais, vai demorar. É uma discussão que está muito em cima da mesa, em todos os países, mas é um work in progress. Vai estar sempre atrasada relativamente à velocidade com que a tecnologia e o ecossistema empresarial se vão desenvolver, mas, se compararmos a preocupação regulamentar nestas áreas no momento corrente com o que tínhamos há um ano e tal, há uma perceção completamente diferente. Lembro-me de ter conversas sobre o futuro da mobilidade e estes temas não eram focados. O normal é que as coisas vão acontecendo e a regulação acabará por ir atrás.
Mesmo quando falamos em inteligência artificial? Não será necessário regular antes de permitir?
Penso que é impossível prever todas as situações à cabeça. Vai-se tentar fazer o máximo possível, mas haverá coisas que terão de ser reguladas a posteriori. Há modos de mobilidade que só depois de aparecerem são regulados. Em tudo o que nós fazemos, a regulação acaba sempre por andar atrás da prática.
Quais são os maiores desafios que devem ser debatidos?
A gestão de parcerias, porque este tema da mobilidade é ecossistémico. Não conseguimos ter esta mobilidade conectada e multimodal sem fazer parcerias entre as organizações. Um segundo ponto é a partilha dos dados e de informação, haver abertura, porque só conseguimos fazer multimodalidade se os dados passarem entre parceiros tecnológicos. Outro desafio é que, para que estas soluções sejam introduzidas nas cidades, tem de haver formas de colaboração mais ágeis entre o setor público, autarquias e não só, e o setor privado, para que os privados tenham incentivo para investir. Outra tendência de que se fala pouco hoje é o contexto empresarial. Em vez de ser atribuído um carro é atribuído um benefício, x euros em mobilidade. A pessoa pode usar 500 euros, por exemplo, por mês ou cada dois meses, em serviços de mobilidade. Há uma oportunidade grande para prestar este tipo de serviços ao segmento empresarial. A.R.G.

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