As fórmulas para prevenir a sinistralidade rodoviária estão gastas, avisaram os especialistas reunidos na Universidade do Algarve. Condutores, ciclistas e peões são os velhos e os novos protagonistas que precisam de encontrar formas seguras de conviver na estrada. E campanhas, infraestruturas e tecnologia são os pilares de uma estratégia que precisa de todos para resultar.

 

 

 

De cada vez que pomos o pé na rua, sentimos que as cidades estão a mudar. A tecnologia na indústria automóvel avança rápido, os desafios ambientais são agora uma questão de sobrevivência e o espaço público transforma-se para dar lugar a novas formas de mobilidade. Nestes tempos de transição, os desafios são gigantes, mas nenhum será tão decisivo como a segurança de automobilistas, ciclistas e peões. Faz sentido, por isso, que a prevenção rodoviária tenha dominado as Road Safety Sessions, que aconteceram no dia 19, no Campus da Penha da Universidade do Algarve.

A última conferência antes da grande cimeira Portugal Mobi Summit juntou em Faro políticos, especialistas e empresários do setor da mobilidade. Todos eles concordam que circular hoje nas cidades não é como há 20 ou 30 anos. Nem precisaríamos de recuar tanto no tempo. Há menos de uma década, as bicicletas, as scooters ou as trotinetes pouco interferiam nas rotinas das cidades. Ciclistas, peões e automobilistas precisam agora de encontrar formas seguras de conviver no trânsito. E as infraestruturas, por outro lado, precisam também de antecipar as transformações anunciadas pela condução autónoma.

É o futuro a impor novos desafios, mas é também o passado que regressa com as mortes a aumentarem para números que já não víamos desde 2012, recorda o administrador da Global Media Group, Afonso Camões: “675 mortes num só ano é um pesadelo.” Retrocedemos na segurança rodoviária, mas o clima nas estradas europeias também não é otimista, relembra Carlos Lopes, especialista da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).

Entre 2001 e 2017 o número de mortes nos países da UE diminuiu cerca de 58%, mas esse decréscimo tem vindo a abrandar com os passageiros de automóveis a representarem 46% do total de mortes, enquanto peões, motociclistas e ciclistas contabilizam os outros 46%. “É suficiente para Bruxelas reconhecer não ser mais possível reduzir a sinistralidade em 50%, deixando cair as metas para 2010-2020”, diz o diretor da Unidade de Prevenção e Segurança Rodoviária da ANSR.

Reduzir a circulação automóvel será sempre uma das respostas para combater a sinistralidade, defende o presidente da Câmara Municipal de Faro. Mas mudar velhos hábitos nunca acontecerá sem se insistir nessa mobilidade suave que procura trazer os ciclistas e os peões para os centros urbanos: “Em Faro, faz todo o sentido dado a cidade ser plana”, justifica Rogério Bacalhau.

 

Alterar hábitos é o mais difícil. As pessoas ainda andam de carro para fazer percursos de 10 ou 15 minutos a pé.

Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro

 

 

Em Faro e em qualquer cidade, acrescentariam os três participantes do primeiro debate das Road Safety Sessions. “Um novo roteiro para uma nova eficácia” foi o ponto de partida para uma conversa em palco, que começou com a urgência em se mudar o chip das políticas públicas de segurança rodoviária. A comunicação, sendo um dos pilares de qualquer estratégia, terá de esquecer as velhas fórmulas se quiser acertar no seu público-alvo. “As campanhas, tal como as conhecemos, já não funcionam”, avisa João Pereira, diretor de planeamento estratégico da agência Partners. Hoje, uma mensagem com mais de oito segundos corre o risco de se desfragmentar na nossa atenção, diz o especialista, colocando a ênfase na criatividade para planear campanhas com impacto na mudança de comportamentos.

Veículos, infraestruturas e comunicação são as três dimensões de uma política para a prevenção da sinistralidade, defende por outro lado Luís Marreiro, do Observatório de Segurança Rodoviária da Brisa. E tanto os governos como as entidades públicas devem incentivar as marcas a investir na prevenção rodoviária. A formação, essa, assume uma importância vital, sobretudo entre a população escolar e até com direito a entrar nas matérias curriculares: “As crianças não só vão interiorizar essa mensagem mas também irão educar os pais.”

O que não pode acontecer é o combate contra a sinistralidade ficar circunscrito a uma única dimensão. Nem permanecer fechado em pequenos círculos. “As políticas têm de ser articuladas entre todos os agentes envolvidos”, defende Fátima Pereira da Silva, especialista em mobilidade da Traffic Psychology International. Uma campanha eficaz é aquela que liga todos os fenómenos que interferem na segurança rodoviária – o álcool e as outras drogas, a velocidade na estrada, a distração digital e todos os comportamentos de risco.

 

Em 20 anos, o carro particular já não será o veículo principal da mobilidade, diz Gonçalo Castelo Branco

 

São muitas as realidades que acontecem em simultâneo na estrada, o que é suficiente para convocar todas as entidades – públicas e privadas – para este combate. Escolas, associações de pais, empresas, marcas ou indústria automóvel têm de se sentar na mesma mesa para perceberem o que cada uma está a fazer: “Vivendo nós num país pequeno, não se compreende esta dispersão de medidas, iniciativas e políticas que acabam por ter pouca ou nenhuma eficácia.”

Mas se o volume de carros a circular nas cidades é ainda o principal obstáculo à segurança rodoviária, a tendência entre a população mais jovem será para minimizar a sua importância. “A geração millennials prefere gozar um mês de férias num destino exótico do que ficar 11 meses a pagar a prestação de um automóvel”, diz Gonçalo Castelo Branco, head of smart mobility da EDP.

O carro particular representa 98% da mobilidade urbana, mas em 2035 o seu peso encolherá para 75%, antecipa o especialista da EDP, usando como referência os estudos internacionais mais recentes. Foi sobretudo para o futuro que Gonçalo Castelo Branco conduziu a sua intervenção centrada na mobilidade elétrica, autónoma, conectada e partilhada. Daqui a pouco mais de uma década e meia, 37% dos novos carros na Europa serão elétricos e 10% conduzidos por inteligência artificial, prevê o especialista.

 

A responsabilidade pela segurança nas estradas é de todos, adverte Rui Soares Ribeiro, presidente da ANSR.

 

O futuro parece muito estimulante, mas será preciso não perder de vista o princípio que deve orientar a condução nas estradas, adverte o presidente da ANSR: “A segurança é responsabilidade de todos, desde o peão ao governante”, insiste Rui Soares Ribeiro.

E além de todas as medidas para combater a sinistralidade, os espaços de debate são decisivos para “partilhar conhecimento” e aprender a não repetir erros que podem custar vidas. “Uma só morte que seja não pode ser tolerada”, remata o presidente da ANSR, encerrando as Road Safety Sessions.

 

Kátia Catulo | Texto

João Silva/Global Imagens | Fotos

 

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