Cinco meses depois de Achim Warmbold celebrar o triunfo na sexta edição do Rallye Internacional TAP, ia para a estrada nova edição do certame. Com a entrada no recém-criado Campeonato do Mundo, o evento passou a disputar-se em Março, depois dos gelados ralis de Monte Carlo e da Suécia, e antes do escaldante Safari. Ao carimbar o passaporte para o Mundial, o “TAP” tornou-se mais mediático, mas recaía sobre a organização a responsabilidade de ser uma das 13 provas eleitas pela FIA para integrar o mais importante campeonato de provas de estrada.
Apesar da pressão do pouco tempo disponível, César Torres e seus pares, não deixaram de inovar no percurso, como vinha sendo regra em cada edição. Em 1973, o itinerário comum contava com quatro etapas, iniciando-se em Viseu, com destino a Sintra, voltando depois ao norte, com passagem pela zona de Arganil. Daí, os concorrentes seguiam para o Minho, onde pela primeira vez, disputaram o emblemático troço de Fafe, e rumavam finalmente ao Estoril, não sem antes passar novamente na temida sequência Arganil-Candosa-Lousã.
Adaptando-se na perfeição à sinuosidade dos nossos caminhos, a Alpine Renault foi a grande dominadora. Bernard Darniche foi o mais rápido na fase inicial, mas furou no troço da Senhora da Graça e levou muito tempo a substituir o pneu à entrada da classificativa seguinte, na serra do Marão. O seu companheiro, Jean Luc Thérier, passou então para a frente, seguido pelo outro Alpine oficial, de Jean Pierre Nicolas. Thérier venceu a prova, muito graças ao seu talento natural, já que pouco havia reconhecido os troços, chegando a usar as notas de Nicolas.
Francisco Romãozinho, integrado na equipa oficial da Citroen, fez uma prova espectacular, levando o DS 21 ao terceiro posto. Após a hecatombe dos pilotos oficiais – Waldegard, Paganelli e Pinto – seria Luis Netto a salvar a honra da Fiat, colocando um 124 Spyder no quarto lugar. Seguiram-se ainda Américo Nunes, António Borges, Meqepê, Martorell e Giovanni Salvi, todos no “top 10”.
Prova em riscoA dois meses do seu início, não havia ainda a confirmação de que o “TAP” de 1974 poderia ir para a estrada. A crise petrolífera obrigara já ao cancelamento dos ralis de Monte Carlo e da Suécia e, em Portugal, várias medidas haviam sido tomadas para racionar energia, nomeadamente o cancelamento de todas as competições motorizadas. Valeu uma vez mais a perseverança de César Torres que, fazendo uso de um extraordinário sentido político, convenceu o governo português a autorizar o rali, depois de a FIA canalizar para a nossa prova parte da gasolina que a Venezuela lhe havia cedido. A escassas semanas da partida, César Torres recebe luz verde e é obrigado a montar uma prova mais compacta, à medida da conjuntura económica do momento.
As etapas de concentração já não tiveram lugar neste ano, dando lugar a uma partida única, no Parque Eduardo VII, em Lisboa. O rali foi mais curto, mas extremamente desgastante e, em cada uma das duas etapas, os concorrentes conduziram cerca de 24 horas sem descansar. A Alpine Renault trouxe apenas um A110 para Robert Neyret, entregando assim o favoritismo à Fiat e à Opel. A marca italiana monopolizou o pódio e Raffaele Pinto liderou de fio a pavio, perseguido por Alcide Paganelli e um terceiro 124 Spyder conduzido pelo jovem Markku Alen.
A Opel teve pouca sorte, já que Walter Rohrl e Achim Warmbold conheceram problemas e o outro Ascona, inscrito pela equipa portuguesa VIP Racing Team e pilotado por Tony Fall, também não terminou. Ove Andersson, em Toyota Corolla foi quarto, à frente do Datsun 240Z de Harry Kalstrom.
Terminando em oitavo lugar, Francisco Romãozinho, num Citroen GS 1220 oficial, foi o melhor português, ele que esteve até à última hora para não alinhar…
A prova portuguesa não passou ao lado da instabilidade política vivida após o 25 de Abril de 74. A TAP decidiu retirar o patrocínio ao rali e a César Torres coube a árdua tarefa de encontrar um novo patrocinador, num contexto em que a prioridade das empresas estava a anos-luz do investimento em eventos para a obtenção de retorno publicitário. A resposta positiva veio do Instituto do Vinho do Porto. Reconhecendo que a projecção da prova poderia levar a fama dos néctares do Douro aos quatro cantos do mundo, a instituição resolveu suportar o evento, que adoptou a designação Rallye de Portugal – Vinho do Porto.
A prova passou a ser organizada pelo ACP, e a marcação de eleições para a data prevista do rali, fez com que a edição de 1975 fosse disputada em Julho. Em pleno “Verão Quente”, e numa altura em que a impressa estrangeira empolava o clima de insegurança que o país atravessava, o número de 94 inscritos, acabou por superar as expectativas.
Contando com a oposição da Opel, Toyota e do BMW de Warmbold, a Fiat veio disposta a repetir o triunfo, com os finlandeses Alen e Mikkola a darem início a uma série de duelos que viriam a ter outros capítulos ao longo da história. O calor e o pó não impediram Alen de obter a sua primeira vitória em provas do Mundial. Pedro Cortez e Mário Figueiredo, em Datsun, foram os melhores concorrentes nacionais e Jorge Ortigão levou o Mazda 818 à vitória no grupo 1.
A organização tudo fez para que o rali passasse ao lado da instabilidade política vivida no país. Perante a notícia de que, na última noite, todos os carros que entravam em Lisboa, estariam a ser revistados por militares, César Torres definiu rapidamente um plano B, prevendo o término da prova em Tomar. Felizmente, tal não foi necessário e os pilotos puderam festejar no Estoril.
Em 1976, a acção voltou a ter lugar em Março e o percurso apresentou mais novidades. Depois novidades. Depois de uma segunda etapa demolidora, que ligava o Porto ao Estoril, com uma incursão pelo Douro vinhateiro, passando pela Cabreira, Senhora da Graça, Marão e Arganil, os sobreviventes enfrentaram uma última etapa nocturna, totalmente disputada na Serra de Sintra, com várias rondas pelos troços de Alcabideche, Lagoa Azul, Peninha e Sintra, percorridos várias vezes e em ambos os sentidos. À imagem da noite do Turini no Rali de Monte Carlo, esta etapa tornou-se rapidamente num sucesso, atraindo milhares de espectadores.
Em termos desportivos, Sandro Munari e o seu Lancia Stratos controlavam o andamento de Ove Andersson em Toyota Celica. Sintra apenas decidiu o terceiro lugar, já que o segundo Lancia pilotado por Raffaele Pinto teve problemas no alternador, sendo ultrapassado por Meqepê, que levou o Kadett à vitória no Grupo 1. No final desse ano, a organização via compensado todo o seu profissionalismo: a BPICA, associação dos construtores atribuía ao Rallye de Portugal o título de “Melhor Rallye do Mundo”, galardão que viria a repetir-se nos quatro anos seguintes e novamente em 1982.
Ser o melhor rali significava atrair ainda mais inscritos e maior mediatismo. A extensão da prova também aumentou, com a introdução de uma etapa percorrida exclusivamente em solo minhoto. Guiando um Fiat 131 Abarth, Markku Alen tornou-se em 1977 no primeiro a bisar. Ari Vatanen dominou inicialmente, mas colocou o Escort fora de estrada já depois da tomada de tempo do troço da Lapa. O outro Escort de Waldegard ainda ameaçou Alen, mas furou em Arganil e apenas conseguiu roubar o segundo posto a Ove Andersson, já na noite de Sintra. Meqepê voltou a ser o melhor piloto nacional, levando a melhor sobre o outro Opel Kadett de Franz Wittmann.
De cortar a respiração
Um ano depois, Hannu Mikkola conseguia finalmente chegar à vitória. A ausência da Fiat permitiu à Ford um calmo passeio em solo luso, que assegurou a dobradinha com Waldegard.
Durante a década de 70, o “Vinho do Porto” amadurecera ao sabor das reformas que o país atravessava. O “melhor rallye do mundo” cimentava a sua importância num Portugal carente de feitos assinaláveis que projectassem a sua imagem fora de portas. Apesar de as infra-estruturas do país não permitirem um melhor aproveitamento, o evento potenciava o desenvolvimento turístico, cumprindo os objectivos propostos junto dos patrocinadores.
Cá dentro, há muito, conquistara o coração dos portugueses. Por onde passava, era recebido por uma moldura cujo entusiasmo superava por vezes a consciência do perigo e a segurança começava a ser um problema para a organização. O rali começava a pagar a factura do seu êxito…
Nuno Branco/Autosport
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