Quando a AMC tentou fazer um “Ferrari Killer”

24/09/2018

A AMC pode ser melhor conhecida como construtora de veículos de aspecto peculiar e de brava economia, mas o protótipo AMX/3 foi um dos automóveis mais exóticos da década de ‘70.

Os anos ‘60 foram, sem margem para dúvidas, gloriosos para a indústria automóvel americana, mas nem todos os fabricantes obtiveram desta década uma garantia de continuidade futura. Ao ponto: a convalescente American Motors Corporation (AMC).

Formada pela união da Nash-Kelvinator Corporation (na altura em dificuldades) e da Hudson Motor Car Company, a AMC nunca foi capaz de alcançar a mesma posição de mercado que as “Big Three” de Detroit. Ainda assim, apesar dos persistentes problemas financeiros, havia alguns génios automotivos nos edifícios corporativos da AMC.

Talvez o melhor exemplo da capacidade da AMC seja o supercarro de motor central AMX/3. O projecto era ambicioso, para ser modesto. A AMC tinha reputação de construir veículos que fracassavam quer em termos de qualidade, quer de excitação de condução. Bem, esta era a mesma firma que construía o Gremlin e o Pacer, portanto será dizer pouco que a fasquia não poderia descer mais ao perspectivar o AMX/3. Ainda assim, este não pretendia ser uma pura e simples aposta, mas antes um sério adversário do popular De Tomaso Pantera, o similar desportivo de motor central com apoio financeiro da Ford.

A tarefa de desenhar o AMX/3 foi encarregue ao designer Richard “Dick” Teague, já pertencente à AMC. Apesar de os desenhos dos supramencionados Gremlin e Teague se encontrarem no seu curriculum vitae, Teague era um génio comercial. Portanto, quando lhe foi pedido que desenhasse algo que “roubasse” um ou dois clientes a Enzo Ferrari, Teague não olhou a meios. O seu trabalho enquanto designer foi verdadeiramente visionário ao nível do design automóvel, apesar dos reduzidos fundos desbloqueados pela AMC para o projecto. O resultado final? Uma genuína obra prima, algo facilmente confundível com algum dos melhores desportivos de sonho italianos.

O desenho de Teague foi de tal forma soberbo que os executivos da AMC rejeitaram um outro proposto por Giorgetto Giugiaro, um dos maiores designers automóveis de sempre, responsável por modelos como o Iso Grifo, Maserati Ghibli, De Tomaso Mangusta, Alfa Romeo Giulia Sprint GT, DeLorean DMC-12, Alfa Romeo 159, Lotus Esprit S1, e até o sempre amado Volkswagen Golf Mk1.

No interior da exótica carroçaria do AMX/3 residia um bastante vulgar motor V8 C.I.D. 390 que a AMC costumava utilizar em modelos mais comuns, como o Javelin e o AMX. Contudo, a caixa de quatro velocidades acoplada foi fornecida pela companhia italiana OTO Melara. Apesar de a velocidade máxima esperada ser da ordem das 160 milhas por hora (aproximadamente 258 km/h), chegar a estes valores não seria tarefa fácil, já que o AMX/3, com carroçaria em aço, pesava mais de 1360 quilogramas. Para tornar a tarefa mais “interessante”, a AMC não era exactamente conhecida por construir veículos reconhecidos por boa manobrabilidade.

Como forma de solucionar os problemas de chassis, a AMC solicitou os serviços de Giotto Bizzarrini. Sim, esse mesmo, o responsável pelo Bizzarrini Berlinetta, e por contribuições significativas para o Ferrari 250 GTO, assim como envolvências com a Lamborghini e a Alfa Romeo. Bizzarrini fez alterações cruciais ao chassis e aerodinâmica do AMX/3, mas foi capaz de deixar o desenho de Teague praticamente inalterado. Ironicamente, a firma de Giorgetto Giugiaro, a Ital Design, juntou-se à equipa de Engenheiros de Bizzarrini no desenvolvimento do protótipo AMX/3 entre Dezembro de 1968 e Junho de 1969. Apesar de ter sido desenvolvido em apenas sete meses e com sérias lacunas ao nível de recursos, o AMX/3 foi capaz de atingir as desejadas 160 milhas por hora, havendo ainda amplo espaço para melhorias, de acordo com quem testou o veículo na altura. O grupo era, nem mais, nem menos, pertencente à BMW, e apesar de algumas duras críticas, não se pouparam a meios para melhorar um veículo (talvez até como forma de cair nas boas graças dos americanos após as trabalhosas décadas anteriores) que “apesar de promissor, carece de rigidez geral e estabilidade frontal”. Num teste posterior em Monza, o AMX/3 atingiu 170 milhas por hora, um feito de enorme relevo em 1970. Pondo a façanha em contexto histórico, o Ferrari Daytona alimentado por um V12 era apenas quatro milhas por hora mais rápido.

Infelizmente, o AMX/3 não se concretizou. A criação de um supercarro de pedigree tem custos, custos esses que se tornaram três vezes superiores aos do Ford Mustang. Para acrescer à problemática, alterações legislativas relativas a carroçaria limitavam alguns aspectos do AMX/3. Por fim, a AMC decidiu remover totalmente os fundos do projecto, após a escassa produção de apenas seis exemplares. Dois desses veículos foram adquiridos por Teague, enquanto outro foi vendido por valores próximos dos 900.000 dólares num leilão datado de 2017.

Ao nível financeiro, o projecto do AMX/3 representou um défice de dois milhões de dólares para a firma de Detroit. A empresa falhou a sua marca de produção anual de 5.000 veículos, mas dificilmente poderíamos dizer que a produção do AMX/3 foi um total fracasso. Aliás, foi um milagre que sequer se tenha conseguido construir um exemplar, quanto mais seis.

É definitivamente uma das histórias underdog mais esquecidas do mundo automóvel, em que a AMC foi capaz de juntar as mais belas mentes da indústria automóvel para concretizar um supercarro honesto, apesar de nem sequer ter uma perna em que se apoiar para o fazer. É uma pena que a reputação da AMC seja eternamente associada a “sapateiras” económicas como o Gremlin ou o Pacer, porque o AMX/3 foi definitivamente um dos mais míticos automóveis americanos.

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