BMW M1, a irresistível história criada por Bruce Canepa

03/04/2019

Vou escrever algo que vai parecer bastante um cliché: este automóvel traz tantas lembranças de infância. Neste caso contudo, esta expressão é particularmente acertada. Muitas lembranças, e nem sempre boas. Vou tentar enquadrar um pouco.

Era eu uma pequena e adorável criança, com quatro ou cinco anos, quando recebi dos meus pais a minha primeira pista de Slot Cars. E para mim, aquela pista era o meu brinquedo mais especial. Primeiro, porque só a via montada e funcional muito esporadicamente e por breves momentos. Depois, porque aos olhos de uma criança, a pista era verdadeiramente enorme. Mas especialmente pelos modelos que vinham nela. De um lado da caixa repousava um Lancia Beta Montecarlo Grupo 5 (que na altura não fazia a mínima ideia do que era), e do outro, um BMW. Mas um BMW como nunca tinha visto: baixo, esguio, musculado, cheio de apêndices aerodinâmicos, uma frente afilada e uns estilizados rins BMW. Por baixo, apenas um enigmático “BMW M1”.

Claro que era sempre a minha escolha, aquele com o qual corria. Sempre! Durante anos aquele design, aquelas formas povoaram a minha imaginação.

Até que, alguns anos depois, já em meados da década de 90, comprei uma das minhas primeiras revistas, onde era feito um género de compilação de grandes superdesportivos dos anos 70 e 80. Subitamente viro a página e leio aquela expressão mágica: “BMW M1”. Olho para baixo e… desilusão completa! Afinal o BMW M1 é apenas isto? Onde estão os guarda-lamas exagerados? O spoiler frontal quase até ao asfalto? O meu mundo estava desfeito.

Um pequeno esclarecimento, sobretudo para os nossos leitores mais novos: estávamos em meados da década de 90. Internet era algo que não tinha entrado nas nossas casas, e estávamos limitados no que respeita a fontes de informação automóvel ao programa televisivo “Rotações” e a revistas, nem sempre muito acessíveis.

Bom, começa aí uma relação de amor-ódio com a BMW, com quem não me conseguia reconciliar por ter destruído o meu sonho de infância.

O tempo (e o acesso a informação) tudo cura, e mais tarde aprendi a diferença entre um BMW M1 e um BMW M1 PROCAR, que era efectivamente a versão na qual o meu velhinho Slot Car era inspirado.

Há muito que a BMW desejava lutar com a rival Porsche no World Sportscar Championship (WSC), e no final da década de 70 inicia o desenvolvimento do BMW M1, com o objectivo de competir no Grupo 5. Com o desenvolvimento dos primeiros protótipos já em marcha, uma mudança de regras em 1977 obrigava agora a BMW a produzir 400 unidades do automóvel para homologação para Grupo 4, para só depois ser possível a homologação para Grupo 5.

Dentro da BMW Motorsport surge então a ideia de, em vez de colocar o programa de competição em espera até que 400 unidades do M1 fossem produzidas, produzir unidades dentro das especificações do Grupo 4, para uma competição monomarca, que contariam também para o total das unidades produzidas, e permitiam acima de tudo acelerar o amadurecimento do programa de competição. Nascia assim o “Procar BMW M1 Championship”, competição que teve uma assinalável visibilidade, por ter sido prova de suporte em grande do Campeonato de Fórmula 1 na Europa, e por terem nela participado alguns dos grandes nomes da Fórmula 1 da altura.

Claro que para continuar a sua carreira desportiva, as unidades do campeonato Procar não bastavam e a BMW produziu as restantes unidades necessárias do M1 na sua versão de estrada. Um automóvel brilhante, na forma como casava design – pela mão de Giugiaro – e performances de um supercarro, com a docilidade e fiabilidade de um BMW tradicional. Um automóvel admirável! Mas – e há sempre um “mas” – nunca consegui olhar para um M1 sem sentir que lhe faltava algo, aquela arrogância estética, o som do seis cilindros sem estar filtrado e civilizado.

Felizmente o destino encarregou-se de providenciar solução para esta ânsia.

Tudo começa em 2012 com Bruce Canepa e este M1 com um kit estético e pintura de gosto duvidoso, perdido algures no Texas.

Tendo verificado tratar-se de uma base sólida para restauro, foi adquirido para posteriormente ser devolvido ao seu estado original pela Canepa.

É com o início desse restauro que a história se torna irresistível. Ao desmantelar o M1, começam a surgir algumas características peculiares: pontos de ancoragem para suspensão com ajustes múltiplos, pontos de montagem de spoilers e radiadores de óleo. O contacto com a BMW confirma-o. Este chassis foi um de quatro M1 Procar que nunca competiram e que com o fim da competição, retornaram à BMW para serem convertidos em M1 “simples” e vendidos.

Os planos de um restauro tradicional são abandonados e Bruce Canepa decide aproveitar o passado ímpar deste BMW e criar o único verdadeiro BMW M1 Procar de estrada. Como se isso não bastasse, foram utilizados o máximo de componentes Procar originais: suspensão, eixos, jantes e até mesmo o “body-kit” são originais.

O resultado, sendo uma criação da Canepa, revela uma perfeição e atenção ao detalhe com que os originais BMW M1 Procar nunca atingiram, e também alguns toques de ironia, ao utilizar discos e maxilas de travão oriundas da rival Porsche (935 e 962 respectivamente). O motor viu a sua cilindrada crescer dos 3.5 para 3.8 litros, foi completamente revisto e os componentes da antiga injecção mecânica Kugelfischer foram mantidos para reter o aspecto original, mas no seu lugar está agora uma moderna unidade MoTec. O resultado são 414 cavalos, próximo dos motores de competição.

Bom, vou deixar as imagens da fotogaleria falarem por mim.

Telmo Gomes / Jornal dos Clássicos

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