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Cápsulas do Tempo: Bugatti Type 57 SC Atlantic (Parte I)

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Há automóveis incontornáveis para quem, como eu, vive fascinado com o mundo automóvel desde tenra idade. O Bugatti Type 57 SC Atlantic é certamente um deles, e sê-lo-á sempre independentemente do rumo que a indústria automóvel tome nas décadas vindouras.

A importância de Ettore Bugatti e da marca automóvel por ele criada em 1909 jamais será esquecida, facto incontestável já que, mais de um século passado e a mesma continua viva, já não sob a tutela de uma família de artistas e artesãos, mas sob o comando do colosso conglomerado alemão – Grupo Volkswagen.

Não pretendo discorrer sobre a história da marca, o que vos proponho nesta e nas próximas edições do “Cápsulas do Tempo”, é que me acompanhem nesta tentativa de homenagear os artesãos de “Molsheim” (cidade berço da Bugatti) que na distante década de 30 do século passado conseguiram produzir um modelo tão avançado tecnologicamente, cujo impacto nos dias de hoje só terá paralelo quando for produzido o primeiro automóvel voador.

Para melhor se perceber a importância e avanço técnico deste modelo face aos modelos da época, basta referir que o mesmo foi construído na distante década de 30 do século passado, e que à data da sua apresentação no Salão Automóvel de Paris em 1935 as prestações anunciadas eram de velocidade máxima na ordem dos 200 km/h.

Tentarei neste meu desafio de honrar aquele que é por muitos considerado a “Mona Lisa” da indústria automóvel, cometer o mínimo de imprecisões possível. Tarefa essa extremamente complicada, já que o Atlantic é um modelo cuja história está repleta de controvérsia e mistério, o que contribuiu para ao longo das décadas ampliar a sua aura e consequentemente o seu valor de mercado. A título meramente informativo, basta referir que a última vez que um Atlantic foi transaccionado – no ano de 2010 o Mullin Automotive Museum da Califórnia adquiriu o chassis n.º 57374 – os valores anunciados situavam-se entre os 35 e 40 milhões de dólares.

O Atlantic (assim identificarei o modelo neste e nos próximos artigos) foi obra de Jean Bugatti, filho mais velho de Ettore Bugatti, e principal designer da marca. Da “pena” do prodigioso Jean, à época com apenas 26 anos de idade, saiu o esboço do Bugatti Aerolithe Elektron Coupé que foi apresentado no supracitado Salão Automóvel de Paris em finais de Dezembro de 1935.

O “concept car” da marca foi assim designado porque era construído numa liga especial de magnésio, extremamente leve e resistente, e que representava naquela época um avanço tecnológico sem precedentes. Pelo facto de a referida liga de magnésio não poder ser soldada nos moldes convencionais, a solução adoptada foi a utilização de uns rebites especiais que fundiam os painéis integrantes da carroçaria deste primeiro Atlantic.

Um dos sinais distintivos dos restantes modelos produzidos (foram quatro no total incluindo o concept car) era exactamente essa espinha dorsal rebitada, que, ainda que não necessária nos restantes três Atlantic produzidos, permaneceu para efeitos meramente estéticos, nos três veículos de produção, todos eles construídos em alumínio.

Tal como referi anteriormente, surgiram ao longo das décadas várias teorias acerca de quantos Atlantic terão sido produzidos. Há quem afirme que foram três, outros afirmam que terão sido construídos quatro, e ainda há quem avance que poderão ter sido cinco veículos.

A teoria comummente aceite é que terão sido construídos quatro Atlantic – o “concept car” do Salão de Paris de 1935 a que aqui aludimos neste primeiro artigo e que terá sido posteriormente destruído, e três outros. O primeiro, com o chassis n.º 57374 actualmente propriedade do Mullin Automotive Museum, acerca do qual já falámos um pouco acima; o segundo, com o chassis n.º 57473, certamente o mais controverso de todos porque na opinião dos especialistas o número de componentes originais que integram o veículo recentemente reconstruído não permitem que o possamos avaliar como um exemplar original, e o terceiro e último, com o chassis n.º 57591, actualmente na propriedade do estilista americano Ralph Lauren.

Dedicar-nos-emos a cada um de forma isolada nos próximos artigos, para que se possa construir uma linha cronológica da história de cada um destes quatro veículos. Por ora, e em jeito de conclusão deste primeiro artigo dedicado ao modelo, cumpre-nos referir que, ao jeito do melhor enredo da história da arqueologia, este Bugatti Aerolithe Elektron Coupé apresentado no Salão de Paris de 1935 é o único dos quatro veículos cujo paradeiro se desconhece.

Na eventualidade de este veículo surgir novamente aos olhos do grande público nos dias de hoje, seria certamente o maior achado de sempre da indústria automóvel. As teorias divergem, há quem defenda que este protótipo foi desmantelado logo após a apresentação no Salão de Paris, sendo usados alguns dos seus componentes nos restantes três veículos de produção, mas há também quem defenda que o referido protótipo terá sido escondido por Ettore Bugatti para que, no início da II Grande Guerra Mundial (1939-1945) os alemães não pudessem deitar mãos ao veículo e apoderarem-se daquele que era à época o veículo de produção mais avançado em termos tecnológicos.

Se bem recordam, a liga de magnésio utilizada neste protótipo pretendia conferir-lhe uma leveza e rigidez estruturais altamente inovadoras para a época. Numa altura em que não tinha sido ainda construído o primeiro túnel de vento e em que o estudo da aerodinâmica não fazia parte da engenharia automóvel, este terá sido o primeiro veículo em que houve uma preocupação latente na utilização da potência de cerca de 200 cv aliada a um peso extremamente baixo para os padrões da época. Este binómio permitia que o Atlantic atingisse cerca de 200 km/h em 1936!

Existem pouquíssimos registos fotográficos do veículo em questão, sendo conhecidas apenas três fotos tiradas no referido Salão Automóvel de Paris de 1935, e uma terceira tirada nas ruas de Londres, no mesmo ano, onde se pode admirar esta verdadeira “obra de arte rolante” estacionada entre outros veículos da época, por ocasião do London Motor Show.

Esta é porventura a foto mais impactante das três, já que em face dos demais veículos constantes da foto, é impossível não constatar de imediato o salto tecnológico e estético que a família Bugatti tinha conseguido conferir ao Atlantic em face dos demais. É quase como que assistíssemos nos dias de hoje a uma nave espacial estacionada num qualquer parque de estacionamento moderno. Impressionante!

É no final deste certame, e imediatamente a seguir a este registo fotográfico nas ruas de Londres que o mistério se adensa, já que, após regresso a Molsheim do protótipo, nunca mais alguma vez o referido veículo foi avistado por quem quer que seja, tornando-o assim, no meu entender, no maior e mais valioso projecto arqueológico automotivo de todos os tempos.

Fácil será de perceber que, caso o veículo em questão, por obra do destino ainda exista e alguém o encontrasse fazendo-o ressurgir após oito décadas, tornar-se-ia certamente na descoberta do mais caro e mais desejado veículo automóvel de todos os tempos.

Outro facto curioso que levantou grande debate ao longo do tempo prende-se com a cor que terá sido usada neste protótipo, já que, não é possível retirar das fotos de época a preto e branco qual seria a cor original do veículo.

Não existindo registos de qualquer género deste primeiro Atlantic, e acreditando que o Sr. Ettore Bugatti de alguma forma os fez desaparecer pelas supracitadas razões, resta-nos apenas uma pintura a óleo daquela época – foto de capa deste artigo – no qual o Aerolithe Elektron Coupé surge na eventual cor “Créme de Menthe” ou cor de menta em bom português.

De acordo com pesquisas efectuadas poucos anos depois do desaparecimento do protótipo, terá sido questionado a um antigo funcionário de Molsheim se teria alguma recordação do veículo, ao que o mesmo terá respondido que apenas se recordava da cor e que a mesma era de facto o “créme de menthe” do quadro que aqui vos mostramos.

Espero com este primeiro artigo ter atiçado a vossa curiosidade para este modelo que tanto trouxe à industria automóvel, e acerca do qual vos continuarei a falar com o maior detalhe possível nas próximas edições do “Cápsulas do Tempo”.

Pedro Pais Cardoso / Jornal dos Clássicos