Comparativo – Benelli TRK 702X / CFMOTO 800MT Explore / QJ MOTOR SRT 700X / Voge 650DSX

27/02/2024

http://www.revistamotos.pt

Que o mundo, desde há muito, está a ser dominado pelos asiáticos, restam poucas dúvidas e até mesmo nas motos, onde o termo “Asiática” era altamente depreciativo, na atualidade deixou de fazer qualquer sentido e este quarteto de trails de nova geração são a confirmação disso mesmo: componentes de qualidade, geometrias, desempenho e estéticas pensadas para o consumidor europeu e preços imbatíveis.

Motos

http://www.revistamotos.pt

Embora o tema deste trabalho seja “comparativo”, neste caso o termo que melhor se adequa será “mostra” ou, em última análise, um “frente-a-frente” que nada mais é do que apresentarmos algumas das principais opções trail de média/alta cilindrada disponíveis no mercado e que, de certa forma, têm contribuído enormemente para deitar por terra em definitivo o preconceito para com os modelos de proveniência asiática. Na verdade, e para sermos mais justos possível, contamos com um modelo europeu, a Benelli, que é desenhada e desenvolvida em solo italiano, mas depois, é produzida de forma integral na Ásia com claros ganhos em termos de custos. Mas neste momento já não faz sentido fazer tamanha distinção entre Ásia, Europa, Japão, Índia entre muitos outros continentes, uma vez que as coisas estão cada vez mais misturadas, senão vejamos: a Benelli passou a pertencer a cem por cento ao Grupo Qianjiang (QJ Motor) e, agora em conjunto com a própria QJ Motor fabricam não só modelos e motores para as suas marcas, como também para outras; a CFMOTO tem uma parceria muito estreita com a KTM, para a qual fabrica alguns motores e mais recentemente anunciou uma nova parceria com a Yamaha e por fim, temos a Voge cujo fornecimento a importantes marcas como a BMW, por exemplo, é também sobejamente conhecida. Mas estas trails, além de virem confirmar essa qualidade e fiabilidade que tanta desconfiança continuam a causar entre nós, europeus, também surgem dispostas a roubar protagonismo a outras marcas de renome como as japonesas ou europeias, no segmento das trails. Não é tarefa fácil, mas os asiáticos têm sabido implementar uma estratégia inteligente, retirando muito partido da aquisição de marcas e “know-how” europeu.

Antes de avançarmos deixar ainda duas notas: a primeira é que por indisponibilidade, a Moto Morini X-Cape não figura neste trabalho e por outro lado, a escolha da Voge 650DSX, que sairá de produção no final deste ano, serve para mostrar uma das pioneiras neste segmento e uma das responsáveis por começar a desmistificar a “má fama” que as chinesas tinham. A DSX continua a ser a trail de maior cilindrada na gama Voge, mas só por mais umas semanas, já que em Milão será apresentada a nova referência no segmento médio/alto, a Voge 900 DS. Vamos então conhecer melhor os argumentos de cada uma destas quatro trails:

BENELLI TRK 702 X

É a única que daria para comparar diretamente com outra das presentes neste trabalho, a QJ MOTOR SRT 700X, que na verdade, são uma espécie de gémeas separadas à nascença e que por isso, embora partilhem grande parte dos componentes acabam por ser bastante diferentes. A TRK 702 X é um daqueles modelos que foi um sucesso desde o dia em que foi mostrada como protótipo no Salão de Milão, aproveitando o enorme sucesso da irmã TRK mais pequena, a 502. Não só os utilizadores da 502 estavam “mortinhos” para que esta versão de maior cilindrada fosse apresentada para poderem fazer o tão desejado “upgrade” como também, pela fama que as “meio litro” alcançaram, muitos motociclistas que queriam comprar um trail de média/alta cilindrada e cujos orçamentos não lhes permitia sequer sonhar com outras propostas disponÍveis no mercado, como por exemplo as japonesas, ficaram ansiosamente à espera que a Benelli lançasse a TRK maior de sempre. E a espera compensou para clientes e marca, já que por um lado os clientes têm agora acesso a um modelo que além de bem conseguido esteticamente (graças ao centro de design ainda continuar a ser em Itália) está também muito bem conseguido em termos de ciclística, acabamentos e motor. Daí não haver motos que cheguem para as encomendas… Mas o que tem de tão especial este modelo? Bem, desde logo por se enquadrar num dos segmentos mais desejados do mercado, depois pelo design aventureiro que esta versão X apresenta (há outra versão mais estradista), a vocação aventureira com jante de 19” na frente e 17” atrás vestidas com os pneus Pirelli Scorpion Rally STR; motor de dois cilindros paralelos com 698 cc, a 4T, refrigerado por líquido com 70 cv de potência e um binário de 70 Nm; iluminação LED; proteções de mãos; descanso lateral e central; postura de condução alta e natural e uma ciclística muito equilibrada, leve e ágil.

Como pontos menos positivos temos a forquilha invertida dianteira sem ajuste; para brisas baixo e sem ajuste; ABS não desconectável e ausência de controlo de tração. Embora partilhe muitos componentes com a QJ Motor, modelo lançado pelo mesmo proprietário da Benelli, faz questão de deixar bem vincados os traços europeus como por exemplo no painel de instrumentos TFT (com ligação via bluetooth aos smartphones), muito mais cuidado que na QJ. A travagem, com dois discos recortados na frente de 320 mm e um traseiro de 260 mm, são mordidos por pinças da própria Benelli, que funcionam muito bem. As manetes são ajustáveis em distância aos punhos, para maior conforto. No “cockpit” contamos ainda com duas tomadas, uma USB e outra USB-C. Dinamicamente falando, é muito equilibrada, com baixo centro de gravidade, leve e ágil com um motor muito encorpado, linear e cheio, com velocidade de ponta que ultrapassa os 180 km/h… As suspensões, apenas com ajuste na pré-carga da mola do amortecedor traseiro, são firmes, prevendo a utilização nos mais diversos cenários, incluíndo off road. Por baixo do assento traseiro conseguimos guardar pequenos objectos e a grelha porta-bagagem traseira destoa do conjunto, está exageradamente elevada… para mim, se estivesse mais integrada na traseira e mais baixa, só teria a ganhar. Com consumo de quatro litros aos 100 km deixa antever uma autonomia que supera os 400 km, fruto da capacidade do depósito de combustível que é de 20L. Como oferta de lançamento beneficiamos ainda da campanha especial do kit de malas originais Benelli.

CFMOTO 800MT Explore

A CFMOTO é outra das responsáveis por desmistificar e dar confiança e fiabilidade aos produtos de origem asiática, primeiro ao fornecer motores e componentes para marcas de renome como a KTM e depois, por ter conseguido retirar partido dessa notoriedade para trilhar o seu próprio caminho. De tal forma que no ano passado haviam apresentado duas opções trail equipadas com o motor de dois cilindros de 799 cc, com 91 cv de potência e 75 Nm (o mesmo motor que equipa as KTM Adventure 790), mas que serviu só de ensaio para o que estava para vir: a 800 MT Explore, que deitou por terra as duas opções anteriormente disponíveis, uma mais simples e estradista e outra mais equipada e aventureira, centralizando tudo num único modelo com argumentos arrebatarores, como tecnologia de última geração, como por exemplo, a utilização do radar traseiro. Colocou a fasquia de qualidade num novo patamar e com um preço arrasador de 12 790€!

A pensar na maior diversidade possível, a CFMOTO dota a nova Explore de seis modos de condução, cada um com uma combinação específica de entrega de potência e gestão eletrónica, prevendo todos os cenários de utilização, desde os mais corriqueiros aos mais extremos, fora de estrada (modo Sport, Off Road, Off Road+, All Terrain, All Terrain+ e Road). Em termos tecnológicos, este é dos modelos mais completos do segmento, na atualidade, mesmo quando comparamos com outras opções quer japonesas como europeias. Contamos com embraiagem deslizante, sistema de passagem de caixa assistida, quick shift bi-direcional e o sistema de radar traseiro que permite que o condutor seja avisado quando tem veículos ou objectos nos ângulos mortos, através da indicação luminosa no painel TFT de 8”. Neste sistema temos a destacar o Lane Change Assist (LCA) que monitoriza os outros veículos, de ambos os lados da estrada e na traseira da moto. Um sinal de alerta aparece quando a mudança de faixa apresenta risco para o motociclista. O Rear Collision Warning (RCW) monitoriza a distância entre o veículo mais perto da nossa traseira e emite um sinal para o TFT de potencial colisão. Na parte ciclística, o quadro é em aço cromo-molibdénio, rígido e muito leve. Nas suspensões temos uma forquilha invertida de 43 mm da KYB, totalmente ajustável, com 160 mm de curso, atrás temos um amortecedor também ajustável, com 150 mm de curso e ainda amortecedor de direção. Os pneus são os Michelin Anakee, que permitem desfrutar de qualquer aventura até mesmo off road. A travagem é muito potente e fácil de dosear, graças aos dois discos de 320 mm na frente, com pinças radiais de quatro pistões e atrás um de 260 mm com pinça de pistão simples. O ABS tem a função “cornering” o que significa que mesmo em curva podemos corrigir a trajetória sem que a moto levante de imediato.

Os acabamentos de alto nível destacam-se, não só pela estética cuidada e bem dimensionada, mas também pelo equipamento que nos disponibiliza como os punhos e assento aquecidos; cruise control; tomada de 12V e duas USB e ainda a carismática T-BOX da CFMOTO que é um sistema que usa um módulo 4G e um sensor 6D que monitoriza em tempo real a informação eletrónica, posição da moto, velocidade, quilómetros apresentada na aplicação CFMOTO RIDE.

QJ MOTOR SRT 700X

Quando nos instalamos aos comandos da novíssima SRT 700 X, é inevitável começarmos de imediato a fazer comparações face à irmã Benelli TRK 702X! Muito iguais, muito diferentes… Por forma a consolidar a sua marca própria na Europa, a QJ MOTOR decidiu avançar em nome próprio, correndo o risco de “canibalizar” outra das suas marcas, a Benelli, mas isso, é um outro tema, que não é chamado para a conversa! O que é certo é que a QJ está a tentar ganhar o seu espaço com uma gama vasta e variada, onde acabou por surpreender ao apresentar esta nova 700 cc, tendo em conta que a marca já possui na sua oferta uma SRT 800 cc. A nova 700 cc, embora tenha muito componentes iguais aos da TRK 702X, há coisas que se notam diferentes como as suspensões, os assentos para ambos os passageiros mais amplos e suaves, a maior proteção aerodinâmica, apoio para colocar GPS perto do painel de instrumentos ou ainda as barras de proteção laterais que conferem maior proteção à SRT 700X em caso de queda, mantendo a pequena proteção de cárter e as proteções de mãos. Tudo isto porque a “X” pretende responder melhor ao apela aventureiro dos potenciais clientes. Mas, uma vez mais, estamos perante um modelo no qual não podemos desligar o ABS e também não temos controlo de tração. Recordemos que também a SRT 700 tem disponível uma versão mais estradista.

Para oferecer o melhor desempenho dinâmico possível, opta por um conjunto de suspensões Marzocchi, na frente através de uma forquilha invertida de 43 mm totalmente ajustável e atrás um mono amortecedor, também ele totalmente ajustável. A travagem é Brembo, com discos recortados na frente, de 320 mm com pinças de quatro êmbolos e atrás um disco de 260 mm com pinça de êmbolo simples. As jantes de raios são “tubeless” com pneus mistos Metzeler Tourance. Destaque para os punhos e assentos aquecidos, mas com um enorme “handicap”, é que não temos indicação de que estes estejam a funcional a não ser quando sentimos as mãos e o rabo quentes, o que no inverno não tem problema mas nos dias mais quentes acaba por ser desconfortável. O painel de instrumentos é simples e também ele permite ser conectado via bluetooth aos smartphones.

A cereja no topo do bolo chega-nos sobre a forma de campanha de lançamento inicial, que inclui a oferta das malas laterais e top case em metal, pelo preço de 7990€ (o preço oficial, passado o período da campanha de lançamento é de 8490€ para ambas as versões, a limitada a 35kW e para a “full power”).

No que diz respeito ao motor, a 700 X brinda-nos com um enérgico bloco de dois cilindros com 698 cc, que disponibiliza 74 cv de potência, 67 Nm, quatro válvulas por cilindro e jantes de 19” na frente e 17” atrás. Uma moto confortável, com boa ergonomia e postura de condução correta. Destaque ainda para a extrema suavidade da caixa de deis velocidades, que além de suave é muito precisa. Nota ainda para o trabalho das suspensões Marzocchi, muito eficientes e com possibilidades de ajuste para melhor cumprirem as nossas exigências nos mais diversos cenários de utilização. Já os travões mostraram uma potência ajustada ao conjunto, principalmente na frente, já que atrás o tacto é menos rápido e mordaz que o da frente. Com um consumo de quatro litros aos 100 km e um depósito de combustível com quase 20 litros de capacidade, temos novamente uma autonomia a superar os 400 km.

VOGE 650DSX

A marca premium da Loncin não leva ainda muitos anos no mercado europeu, mas tem conseguido criar o seu próprio espaço, mesmo que por vezes a estratégia de lançamento de novos modelos e produtos possam ser discutíveis. O que não tem discussão é a importância que a trail 650DSX assumiu quer para a marca, como para o mercado e até para os construtores asiáticos, pois a qualidade geral do modelo e a estética bem conseguida, fizeram com que a Europa acolhesse este membro da família DS de braços abertos. A escolha do motor de um cilindro, com 652 cc, a 4T, refrigerado por líquido, com 47,5 cv de potência às 6750 rpm e com um binário máximo de 60 Nm às 5500 rpm não foi inocente, foi tudo pensado para se assumir como uma proposta muito válida para os amantes da aventura, que procuravam algo válido para os seus passeios de fim de semana fora de estrada, com dimensões e peso contidos. E se o mercado pedia, a Voge assim o ofereceu, um motor de um cilindro adaptado às mais recentes exigências impostas pela norma Euro5, que obrigou a retirar algum do carácter tão característico dos motores de um cilindro, tal como na sonoridade, mas ainda assim com uma energia que continua a entusiasmar. O consumo pouco ultrapassa os 3,5 litros o que em conjunto com o depósito de 18 litros nos deixa com uma enorme autonomia, muito útil nas grandes viagens. Também nas suspensões temos a clara noção de que estamos frente a uma moto que dá grande importância ao fora de estrada, devido ao enorme curso em ambos os trens: a forquilha invertida instalada na dianteira, sem ajustes, tem curso de 179 mm enquanto que o amortecedor traseiro brinda-nos com 58 mm de curso e possibilidade de ajuste na pré-carga da mola. Na base do retrovisor esquerdo temos o “botão mágico” que permite desligar rapidamente o ABS para quando enfrentamos troços off road. A travagem, que tem bom tacto, é potente e homogénea, graças ao duplo disco de 298 mm com pinças Nissin de dois pistões, e atrás temos instalado um disco de 240 mm com pinça de um pistão.

A estética é muito moderna, agressiva e atual, com iluminação LED, onde as jantes de raios se destacam e recorrem ao Pirelli Scorpion Rally STR para vestir a jante de 19” na frente e de 17” atrás. Descanso lateral e central e com campanha a decorrer de redução de preço na compra das malas laterais e top case em alumínio. O painel de instrumentos é um simples, mas funcional LCD a cores com muita informação, incluíndo a indicação da pressão dos pneus. Tem média de consumo, rotações, velocidade nível de combustível, mudança engrenada, relógio, voltagem da bateria e quilómetros total e parcial.

O motor, que oferece uma faixa de rotação média e alta mais vivas e alegres, transmite leves vibrações ao conjunto e enquadra-se na perfeição com a caixa de cinco velocidades, suave e bem escalonada. A velocidade de ponta é elevada e apenas quando rodamos a velocidades mais elevadas é que notamos a tendência em criar alguma inabilidade na frente. Na frente é onde também temos o para brisas amplo e envolvente, com possibilidade de ajuste em três posições diferentes. Os bons acabamentos merecem nota de destaque, assim como o amplo assento, muito confortável para ambos os passageiros. No entanto, o arco das pernas poderia ser um pouco mais estreito, facilitando assim o acesso ao solo. O quadro, uma tradicional estrutura em tubos de aço contribui para o equilibrio e agilidade do modelo. Os 219 kg de peso em ordem de marcha não se fazem sentir, nem mesmo nas manobras quando parados. Uma belíssima opção para os mais aventureiros, mas que sai de gama no final deste ano, abrindo espaço à nova 900 DS que será apresentada na próxima edição do salão de Milão.

Muitas e boas opções

Com este “comparativo” o que quisemos demonstrar foi, essencialmente as principais valências de cada uma destas opções que têm ajudado a dar um novo rumo ao segmento trail, mas também ajudado a cimentar o “made in China”, que cada vez é menos um problema. A qualidade está bem refletida em qualquer uma destas opções, que acabam por ganhar protagonismo quando olhamos para a relação qualidade/preço. Sendo certo que a CFMOTO 800MT Explore está aqui numa posição de maior destaque, também é verdade que a Benelli e a QJ MOTOR também vão assumir grande protagonismo, como as vendas indicam… Por fim, quem pretende uma moto fiável, leve, fácil e muito equilibrada até esteticamente, pode ainda optar pela única monocilindrica aqui representada, a 650DSX, cujas aptidões para rolar fora de estrada ficaram bem demonstradas. A Voge sai de cena no final deste ano para dar lugar à nova referência trail no segmento médio/alto, a bicilindrica 900 DS. Em comum têm o facto de todas estarem com campanhas de oferta ou descontos na aquisição do conjunto de malas laterais e top case.

Texto: Domingos Janeiro
Fotos: Paulo Calisto
Com a colaboração de Bruno Rebelo, Fernando Pereira e Rodrigo Meaud