Aquecimento global aumentou desigualdades entre países mais ricos e mais pobres

23/04/2019

A diferença entre a produção económica dos países mais ricos e mais pobres do mundo é hoje 25% maior do que seria sem o aquecimento global, segundo uma nova pesquisa da Universidade de Stanford.

O aquecimento global aumentou as desigualdades económicas desde a década de 1960, favorecendo os países mais frios, indica um estudo da Universidade de Stanford, dos EUA.

De acordo com o estudo publicado na revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences”, as mudanças causadas pela concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera do planeta enriqueceram países como a Noruega ou a Suécia, mas reduziram o crescimento económico de outras nações como a Índia ou a Nigéria.

“Os nossos resultados revelam que a maioria dos países mais pobres da Terra é consideravelmente mais pobre do que seria sem o aquecimento global“, afirma o cientista Noah Diffenbaugh, principal autor do estudo.

Diffenbaugh acrescenta que “a maioria dos países ricos é mais rica do que teria sido” sem o efeito das alterações climáticas.

O estudo é assinado por Noah Diffenbaugh e Marshall Burke, ambos especialistas em clima e professores em Stanford.

A análise, que se debruçou sobre o período compreendido entre 1961 e 2010, indica que o aquecimento global diminuiu a riqueza por pessoa nos países mais pobres do mundo em 17 a 30%.

Fosso económico aumentou

Embora a desigualdade económica entre os países mais ricos e mais pobres tenha diminuído nas últimas décadas, a pesquisa sugere que a diferença teria diminuído mais rapidamente sem o aquecimento global.

Ou seja, o fosso entre o grupo de nações com maior e menor produção económica por pessoa é agora cerca de 25% maior do que seria sem as alterações climáticas.

Neste estudo mais recente, agora conhecido, Diffenbaugh e Burke combinaram as estimativas publicadas anteriormente por Burke com dados de mais de 20 modelos climáticos desenvolvidos por centros de pesquisa em todo o mundo.

Climas temperados favorecem crescimento económico

O documento baseia-se em pesquisas anteriores desenvolvidas por Marshall Burke (aí juntamente com W. Matthew Davis e Noah S. Diffenbaugh) que analisaram a evolução das temperaturas anuais nos últimos 50 anos e medições do PIB de 165 países para estimar os efeitos das flutuações de temperatura no crescimento económico.

Nesse relatório, publicado na revista Nature, foi demonstrado que o crescimento económico durante os anos mais quentes do que a média geral acelerou nos países frios (em que se situam as nações mais desenvolvidas) e desacelerou nas nações quentes (em que se situam as nações menos desenvolvidas).

“Os dados históricos mostram claramente que as culturas são mais produtivas e as pessoas são mais saudáveis quando as temperaturas não são nem muito quentes nem muito frias”, explicou Burke. “Isso significa que em países frios, um pouco de aquecimento pode ajudar. O oposto é verdadeiro em lugares que já são quentes”.

Usando esses modelos climáticos para isolar o quanto é que cada país já aqueceu devido às alterações climáticas induzidas pela atividade humana, os investigadores puderam determinar o que a produção económica de cada país poderia ter sido se as temperaturas não tivessem subido, por efeito do aquecimento global.

Referindo-se ao facto do aquecimento global ter ajudado ou prejudicado o crescimento económico, Burke afirma que os países tropicais, em particular, tendem a ter temperaturas muito além do ideal para o crescimento económico. “Não há, essencialmente, nenhuma incerteza de que eles foram prejudicados”.

Cada vez mais longe da temperatura ideal

É, porém, menos claro como é que o aquecimento influenciou o crescimento em países nas latitudes médias, incluindo os EUA, a China e o Japão, aponta a análise. Para esses e outros países de clima temperado, a análise revela impactos económicos de menos de 10%.

“Algumas das maiores economias estão próximas da temperatura ideal para a produção económica. O aquecimento global não os empurrou para fora” dessa zona “e, em muitos casos, empurrou-os em direção” a essa zona, afirma Marshall Burke que adverte, porém, sem rodeios: “Uma grande quantidade de aquecimento no futuro irá empurrá-los [também] cada vez mais para longe da temperatura ideal”.

Gráfico elaborado por Noah Diffenbaugh e Marshall Burke mostra a subida dos termómetros face à era pré-industrial.

Os cientistas esclarecem que não obstante os impactos da temperatura possam parecer pequenos de ano para ano, eles podem produzir ganhos ou perdas dramáticas ao longo do tempo. “Isso é como uma conta de poupança, onde pequenas diferenças na taxa de juros geram grandes diferenças no saldo da conta em 30 ou 50 anos”, explica Diffenbaugh. Para os investigadores que conduziram esta análise, depois de acumular décadas de pequenos efeitos de aquecimento, a economia da Índia é agora 31% menor do que teria sido na ausência do aquecimento global.

O preço que muitos países já pagaram

Sabia que…
… estes cientistas para fazer este estudo calcularam mais de 20.000 versões do que a taxa de crescimento económico anual de cada país poderia ter sido sem o efeito do aquecimento global?

Numa altura em que sobre as negociações sobre a política climática costumam pairar questões de como dividir equitativamente a responsabilidade por conter o aquecimento global futuro, a análise de Diffenbaugh e Burke oferece uma nova medida do preço que muitos países já pagaram. “O nosso estudo faz a primeira contabilidade de exatamente quanto é que cada país foi impactado economicamente pelo aquecimento global, em relação às suas contribuições históricas de gases de efeito estufa”, declara Diffenbaugh.

Enquanto os maiores emissores de gases com efeito de estufa desfrutam em média de cerca de 10% mais PIB per capita atualmente do que teriam num mundo sem aquecimento global, os países responsáveis por menores emissores poluentes foram arrastados para baixo em cerca de 25%. Burke não tem dúvidas: “É uma perda enorme em comparação com a realidade que esses países poderiam ter sido”.

Os pesquisadores enfatizam a importância de aumentar o acesso à energia sustentável para o desenvolvimento económico nos países mais pobres. “Quanto mais esses países se aquecerem [por via da utilização de energias fósseis, n.d.r.], maior será a sua dificuldade em se desenvolverem “, disse Diffenbaugh. “Historicamente, o rápido desenvolvimento económico tem sido alimentado por combustíveis fósseis. A nossa descoberta de que o aquecimento global exacerbou a desigualdade económica sugere que há um benefício económico adicional da utilização de fontes de energia [renováveis] que não contribuem para um aquecimento ainda maior”.