Thiebault Pâquet: “A mobilidade pode apoiar os investimentos necessários à infraestrutura de hidrogénio”

25/01/2024

Num momento em que a Toyota está a tentar intensificar a sua atividade no campo do hidrogénio — lançando a Hydrogen Factory Europe e promovendo a implementação de ecossistemas e infraestruturas em toda a Europa — conversámos com Thiebault Pâquet, Diretor da área de negócio das Pilhas de Combustível da Toyota, sobre a próxima geração do Mirai e os obstáculos e oportunidades relacionados com a tecnologia Fuel Cell.

Assumimos que, na sua opinião, a estratégia de aposta múltipla da Toyota em veículos a gasolina, híbridos, elétricos a bateria e células de combustível é a mais eficiente. Internamente existem grandes discussões entre os Petrol Heads, os Joule Jesters e os H2 dreamers? A propósito, a que grupo pertence?

Thiebault Pâquet: Se calhar nem imaginavam, mas sou engenheiro do Diesel… (Sorrisos) Essa é minha formação. Não há futuro nisso. Mas pelo menos nunca tivemos problemas com os Toyota Diesel… Adiante. Não falemos mais sobre isso…

Trabalhei nos híbridos e agora também estou muito envolvido na área de pilhas de combustível. Claro que há um pouco de competição saudável. E acho que é isso que devemos esperar.

Acredito que a tecnologia da bateria continuará a evoluir. E a tecnologia do hidrogénio também. E todas as equipas têm a intenção de criar a melhor proposta para um determinado tipo de cliente. Não acredito que a solução de hidrogénio abranja todos os clientes, mas há áreas de mercado onde pensamos que esta seria realmente uma das melhores soluções.

Na verdade, também sou responsável pelo tecnologia de baterias na Europa, pelo que preciso equilibrar tudo.

Um aumento de 20% na autonomia e uma redução de custos na próxima geração de pilhas de combustível é uma evolução muito significativa. Sabemos que é um trabalho complexo e requer preparação do ponto de vista da engenharia, mas também na produção. Quão realistas são esses objetivos e quais os principais desafios para alcançá-los?

TP: Eles são realistas porque o sistema da 2ª Geração está no mercado desde 2015. Temos trabalhado na 3ª Geração e estamos numa posição em que estamos a definir as especificações. Esses dados baseiam-se em testes que fizemos com pré-desenvolvimento, com protótipos e assim por diante. Por isso, acreditamos que podemos alcançar esses objetivos com as alterações que foram feitas.

Na verdade, estamos a pensar propor não apenas uma solução, porque estamos a fornecer o nosso sistema quer para veículos pesados, quer para carros de passageiros. Essas duas soluções não são exatamente iguais. Porque se conduzo um Mirai (tenho mesmo um Mirai…), 3000 horas é o máximo que vou usá-lo. Mas num camião preciso de um mínimo de 30.000 horas de vida útil. Estamos a olhar para dois tipos de sistema Fuel Cell, desenvolvendo uma solução para alta durabilidade e outra para alto desempenho. Estamos continuamente a desenvolver e a melhorar, para podemos construir um sistema que corresponda às necessidades específicas dos clientes.

Conduzimos os mais recentes Toyota Mirai e o Hyundai Nexo e não comparam positivamente quando pensamos em elétricos a bateria de tamanho e capacidades semelhantes, no que diz respeito ao desempenho e aceleração. Os BEV têm facilmente o dobro da potência e são muito mais rápidos. O que é que impede os FCEV de ter um desempenho semelhante?

TP: Olhando puramente para o lado técnico, a célula de combustível no Mirai é capaz de 128 kW em pico. E a bateria tem apenas a capacidade de 1 kWh, porque o sistema de pilha de combustível é muito rico. A diferença é que, se comparamos com, por exemplo, um Tesla, com uma bateria de 100 kWh, esta permite uma descarga muito maior de corrente. E podemos, de facto, retirar muita potência dessa bateria, durante um período curto de tempo.

A única maneira de um FCEV compensar isso é ter uma pilha de combustível maior. Uma bateria de grande capacidade tem uma enorme quantidade de energia.

O sistema Fuel Cell não é exactamente pequeno…

TP: Sim, concordo. Digamos que, no lado do desempenho máximo, precisaríamos aumentar a densidade de potência na fuel cell, que é parte da melhoria. E então podemos criar tanta potência quanto quisermos, adicionando mais módulos [células]. Primeiro, temos que decidir sobre a otimização do design: assumimos que queremos ter esse tipo de veículo. Precisa de ser capaz de cumprir este e este requisitos. E depois tentamos otimizar também com o custo e decidimos o número de células que achamos que se encaixa no conceito do veículo. Se quisermos fazer um supercarro fuel cell, tenho colegas que podem juntar vários módulos de pilha de combustível e obter muita potência. A questão é se isso se encaixa na imagem do produto. Seria interessante ver essa ideia a ser desenvolvida.

Em relação à fiabilidade e manutenção de um veículo a pilha de combustível, tem uma avaliação dos custos de manutenção do Mirai comparativamente aos veículos com motor a gasolina e aos elétricos de bateria?

TP: Se olharmos para o Mirai, a manutenção do sistema de fuel cell não é assim tão complicada. Existem sobretudo alguns testes fundamentais que são feitos no Mirai para garantir que está tudo bem. Precisamos de trocar o filtro de ar neste tipo de veículo e existe também o trocador de iões, que tem que ser substituído, porque o líquido refrigerante passa pelo catalisador. Nessa passagem pode recolher alguns iões e não queremos ter essa condutividade. Por isso há um filtro que os recolhe. E este é substituído a intervalos regulares. Acho que talvez seja a cada 15.000 km. Essas são as duas necessidades especiais de manutenção. Para o resto, não é assim tão diferente de um automóvel a gasolina. São os travões do carro e, neste momento, haverá alguma validação de todos os componentes elétricos. O meu Mirai vai para manutenção dentro de duas semanas, mas leva apenas o mesmo tempo. Nada de especial.

E o preço desse filtro para iões. Tem uma ideia de quanto custa?

TP: Não. Para ser honesto, é um carro da empresa… (sorrisos). Teria de verificar.

Considerando os desafios, digamos, em relação à infraestrutura e disponibilidade de hidrogénio, como é que os veículos a células de combustível se encaixam no contexto mais amplo do transporte sustentável na Europa?

TP: Acredito que não resolveremos o problema do transporte com apenas uma tecnologia. E mesmo quanto à infraestrutura, fizemos alguns estudos. Se, por exemplo, todos os camiões fossem 10% a células de combustível e 90% fossem a bateria, e colocássemos a infraestrutura para reabastecer esses 10%, seria mais barato do que ter tudo elétrico. Porquê? Porque é uma espécie de regra de 80/20 [Princípio de Pareto]. Se tentarmos realmente tornar a rede adequada para esses últimos 10%, isso utilizaria muita energia. Seria necessário um grande incremento da rede elétrica e consequente investimento. Há estudos que mostram que, se tivermos uma combinação de tecnologia, podemos otimizar o custo. Isso apenas do ponto de vista da infraestrutura, porque se tivermos 50 camiões numa estrada secundária que precisem de ser recarregados, eles usarão o equivalente a, acho que são 17, 18, 19 MW. Vão usar a energia equivalente à utilizada por 25.000 casas particulares. Eu moro na Bélgica, um ponto de passagem dos camiões e não vejo onde vamos colocar toda essa infraestrutura aqui.

Talvez isso seja possível noutros países. Mas há um grande desafio com a infraestrutura. Nem estou a olhar para as periferias da Europa. Mas isto é relativo aos camiões. Mas ligeiros de passageiros é um pouco diferente. Estes não serão capazes de sustentar 100% da infraestrutura. Precisamos de ter uma combinação de frotas como [o que está a acontecer] em Paris, onde teremos 1500 táxis a circular durante os Jogos Olímpicos. Temos uma joint venture com a Hysetco. Essa joint venture providencia o fornecimento de hidrogénio. E, ao mesmo tempo, também oferece as licenças de táxi e a manutenção do carro. Esse tipo de atividade é perfeitamente rentável.

É rentável se não pagarem o hidrogénio…

TP: Na verdade, compram o hidrogénio à Air Liquide, mas não é hidrogénio verde. Será verde, porque em Paris vão construir um eletrolisador muito grande nos arredores de Paris. Uma vez que têm um eletrolisador que está a usar energia excedente nesse tipo de local, é mais barato do que o que obtêm da rede.

Mas não é verde. Poderá ser verde um dia, mas não é no momento…

TP: No momento não. Mas se olharmos para todos os investimentos, os electrolisadores que estão a ser construídos e montados, os 10 milhões de toneladas de que falei, e isso é novamente, os 40, 42% em 2030. Não há escolha. Tem de ser verde. Se não for, não sei, compensações, o que seja. Mas esse é o objetivo. É isso que precisamos de alcançar.

Então, quando fala desses pontos de recarga, eles produzem hidrogénio localmente e fornecem-no aos veículos ou vão funcionar como em Paris, comprando a um fornecedor que produz hidrogénio?

TP: Penso que existe uma mistura no momento. A maioria deles vai de facto obter o hidrogénio, de um porto, por um camião cisterna. Mas o ponto é, os investimentos que estão a acontecer agora [vão] mudar isso. Por exemplo, no caso da Hysetco, sei que vão construir um electrolisador muito grande e esse electrolisador vai abastecer a região de Paris.

Eles têm agora pelo menos três e estão a construir um quarto, pelo que entendo. Portanto, estão realmente a expandir. Não acontece de um dia para o outro. Vai levar dois, três, quatro ou cinco anos. Mas há planos, há uma visão, há investimento. As pessoas estão a trabalhar nisso. Há investimento em oleodutos. Estão a ser feitos contratos com o Canadá. Há contratos a serem feitos em África, contratos a serem feitos com a Argentina. A Alemanha está muito ativa na tentativa de assegurar o fornecimento de hidrogénio a nível mundial. A Arábia Saudita tem um grande excedente de renováveis. Eles realmente querem fazer muito hidrogénio renovável. Vai levar tempo porque estes são grandes sistemas industriais. Mas no final, estará lá. E de qualquer forma precisamos de hidrogénio. Sem hidrogénio não há cimento, não há aço.

Mas não exatamente para mobilidade. Precisamos dele para muitas coisas, mas estamos a criar talvez a necessidade de mais hidrogénio, quando já temos um problema de hidrogénio para resolver.

TP: Mas onde penso que o transporte vai ajudar. Se olhar hoje para a indústria do cimento, na indústria siderúrgica, eles compram hidrogénio a 2 dólares por quilograma.

Claro, sim. A partir da reforma a vapor, queimando gás.

TP: No setor automóvel, em transporte, estamos dispostos a pagar mais porque podemos fazer um TCO positivo a um preço mais alto. Então, digamos, se formos para 8 ou 9 dólares ou o que for, podemos fazer um TCO positivo. O transporte pode realmente apoiar os investimentos que precisam ser feitos na infraestrutura de hidrogénio. E no final, acreditamos: sim, vai levar tempo, mas acreditamos que a quantidade de hidrogénio vai continuar a crescer e em algum momento não será usada apenas para a indústria e para o cimento. Será usado para transporte, talvez para algum tipo de atividade relacionada com aquecimento. O hidrogénio tem vindo a crescer todos os anos 3% ano a ano. Ok, principalmente industrial, mas é uma mercadoria que está continuamente a crescer em volume. Não vejo por que, em algum momento, não podemos continuar a crescer no hidrogénio verde até ser uma mercadoria que possa ser usada para indústria, para transporte, potencialmente para aquecimento, não para queimar, mas para nesses setores.

A estratégia da Comissão Europeia inclui o uso de hidrogénio azul [utilizando gás natural mas combinando com tecnologia de captura de carbono] como uma fase de transição, levantando preocupações sobre o impacto ambiental desta produção, que ainda não está disponível. Como é que a Toyota vê a viabilidade e sustentabilidade do hidrogénio azul na transição para uma economia descarbonizada?

TP: Não sei se temos uma posição oficial sobre isso. Seria apenas a minha opinião pessoal. Mas penso que como transição, pode ser útil porque de qualquer forma, se o usarmos já vamos reduzir substancialmente o CO2.

Se o fizermos de forma certa…

TP: Se o fizer de forma certa, claro. Concordo plenamente. Também hoje há muitos desafios com a captura de carbono, mas se conseguir fazer isso, mesmo que não o faça e o use numa célula de combustível, ainda terá menos emissões de CO2. Portanto, se o fizer da maneira certa, penso que pode ser uma boa transição. Se essa tecnologia realmente atingir um nível muito alto de maturidade, então diria talvez, por que não? Se realmente atingir uma maturidade muito alta e se não consumir demasiada energia, pode ser um passo na direção certa. Mas penso que a longo prazo vai ser mesmo hidrogénio verde. Tem de ser…