A vida não é um sonho

06/04/2019

Nunca sonhei com um Porsche. E não sou daqueles que acreditam que comprar um modelo de Estugarda é um objetivo ambicioso e não matéria de sonho, deixando essa fantasia para a Ferrari. Nada disso. Aparentemente, sempre tive sonhos mais realistas. Desde os tempos em que estes ainda eram a preto e branco. Mas compreendo o fascínio e a obsessão que as linhas do 911 exercem sobre os fãs. Recordo-me ainda da reação deles quando a marca decidiu sair do formato “puro sangue” deste roadster, em 2002, para lançar a primeira geração do Cayenne. Houve quem gritasse que não era um verdadeiro Porsche; em parte, pelos seus verdadeiros quatro lugares. Paradoxalmente, ao contrário dos “bancos” traseiros do 911 que pertenciam, eles próprios, ao domínio do irreal.

A segunda geração deste SUV, seis anos depois, trouxe uma nova ofensa aos amantes do desportivo. Um Diesel! Houve quem quisesse queimar bandeiras. Para ser digno do emblema de Estugarda, um Porsche tinha de beber gasolina e nunca gasóleo, defendiam os mais radicais.

A Porsche continuou a seguir o seu caminho, rodas no asfalto, e, em 2010, nascia o Panamera. Um Grande Turismo, de design revolucionário, confirmando que os quatro lugares vinham para ficar e que a gasolina já não era exclusiva na marca. Não havia como não entender que, na indústria automóvel, mesmo numa marca de nicho, o sonho teria de conviver com a realidade. E a emoção com a razão. Como disse Wim Wenders, um dia, “a realidade é a cores, mas o preto e branco é muito mais realista”.
Lutz Meschke, diretor de Finanças, Investigação & Tecnologia da marca reconheceu-me isso mesmo, em entrevista, na Conferência Anual da Porsche. “Os clientes do 911 são mais emotivos e os dos SUV mais racionais. São distintos, mas queremos satisfazer ambos”, afirmou.
O sonhador do 911 dificilmente será o realista do Macan, que, muito em breve será apenas elétrico; ou do Taycan, que já nascerá assim, iniciando uma nova era. O som do motor? Nestes dois últimos modelos, por mais audível que seja a sua potência, será tão real como uma quimera.

Ficará por contar o que teria sido a história da Porsche, caso tivesse ouvido apenas os apelos emocionais dos indefetíveis do 911 e centrasse toda a sua estratégia no lendário modelo. Mas será fácil concluir que não chegaria a 2019 com o melhor balanço financeiro de sempre.
Nem estaria, como hoje, a digitalizar o seu negócio, criando aplicações, como a inFlow, que permitem aos clientes rentabilizar o seu modelo usado, mediante o pagamento de uma renda, uma prova real de que, no mundo moderno, até os sonhos terão de ser partilhados.