Um dos nomes grandes da história do automobilismo português, Joaquim Moutinho, faleceu esta sexta-feira, vítima de doença prolongada, aos 67 anos, deixando assim o desporto automóvel nacional mais pobre.

Nome marcante do desporto automóvel português, Joaquim Moutinho fez história ao ser o primeiro piloto luso a obter um triunfo primeira vitória de um piloto português numa prova do Campeonato do Mundo de Ralis ao volante de um Renault.

Talento para lapidar

Joaquim Moutinho despertou cedo para o “bichinho” dos automóveis. Tinha apenas sete anos quando foi surpreendido a manobrar o carro da sua mãe, dois anos antes de receber um kart como prenda da conclusão da “primária”, que não tardou a explorar de forma hábil no circuito de São Caetano, em Vila Nova de Gaia.

Foi aí que lapidou as bases do seu talento e que começou a viver de forma intensa a paixão pela adrenalina do desporto automóvel e a ficar “viciado” no cheiro a borracha queimada.

 

O salto para os automóveis foi inevitável e, com pouco mais de 20 anos, terminou em quarto lugar o seu primeiro rali ao volante de um Datsun 1200, depois de ter sido ultrapassado por um adversário mais forte em pleno troço e ter feito das palavras do seu navegador Edgar Fortes – “ou consegues ir atrás dele ou não consegues e vamos para casa” -, um hino à determinação. Moutinho começou a colecionar sucessos, onde o triunfo no competitivo Troféu Datsun 1200 (1972) e o título de Campeão Nacional de Velocidade (1981), num Porsche de Grupo 5, foram apenas dois passos importantes no caminho da glória, antes de se tornar piloto oficial Renault.

Com a Renault oficialmente

Foi com a Renault que o piloto do Porto viveu os mais emblemáticos anos da sua carreira, numa relação profícua com a então recém-criada equipa “Renault Galp”. Mesmo se com algumas reservas iniciais acerca da fiabilidade do Renault 5 Turbo com que foi convidado a “atacar” o título no Campeonato Nacional de Ralis em 1984 (o modelo tinha sido desenvolvido fundamentalmente para pisos de asfalto), Joaquim Moutinho aceitou defender as cores da equipa da Renault Portuguesa, até mesmo depois do desafio pragmático lançado pelo responsável máximo da equipa, que implicava assumir as culpas caso a sua rapidez não fosse suficiente para vencer ralis, do mesmo modo que a equipa de mecânicos assumiria o ónus da responsabilidade do insucesso do projeto, se o R5 Turbo não se tornasse “inquebrável”!

E não foi preciso esperar muito para que o binómio Joaquim Moutinho/Renault 5 Turbo se começasse a afirmar, contabilizando, no primeiro ano, seis vitórias e só não registando o título absoluto devido a uma manobra polémica vivida na última prova da época, o Rali Lois Algarve.

Nos dois anos seguintes, em 1985 e 1986, sempre na companhia do navegador Edgar Fortes e cada vez mais familiarizado com o “amarelinho” da Renault, Moutinho assegurou o bicampeonato, somando mais nove triunfos na sua contabilidade pessoal e elevando para um total de 16 vitórias, o número de sucessos pessoais e do Renault 5 Turbo no Campeonato Nacional de Ralis.

Outra página dourada da vida desportiva do campeão Joaquim Moutinho escreveu-se a 8 de março de 1986, quando se tornou o primeiro português a vencer uma prova do Campeonato do Mundo de Ralis, num triunfo com sabor agridoce. É que a vitória surgiu apenas depois do fatídico acidente da Lagoa Azul, que motivou o abandono, em bloco, das principais equipas do “Mundial de Ralis”, e que deixou a porta do trunfo aberta para Moutinho, que sempre qualificou a vitória mais como uma “chegada em primeiro lugar” do que propriamente um triunfo.

Independentemente do sabor dessa vitória, Joaquim Moutinho marcou diversas gerações de pilotos, contribuindo para incrementar a competitividade do Renault 5 Turbo nos ralis, dando, de resto, sequência à tradição do bom nome da Renault nos ralis, que, na década de 60, já tinha visto o seu atrevido Renault 8 Gordini brilhar também nos ralis nacionais, pelas mãos de outros pilotos de referência como Carpinteiro Albino e José Lampreia.

Tirar partido do R5 Turbo… só calçando 45 e meio

Para Moutinho, contudo, o Renault 5 Turbo sempre reservou um lugar especial no coração e, verdade seja dita… no pé direito também! É que, o piloto chegou a afirmar que um dos segredos para ser competitivo com o exigente carro (cuja entrega dos 300 CV de potência era feita de forma bruta e não anunciada) era calçar 45 e meio, o que lhe permitia usar uma apurada técnica de pilotagem – pisar, com o mesmo pé e em simultâneo, o pedal do acelerador e do travão -, o que permitia manter sempre o turbo em carga, mesmo nas curvas mais lentas onde era necessário reduzir substancialmente a velocidade.

Mas apesar de todas as boas recordações deixadas pelo Renault 5 Turbo, acabou por ser precisamente o incêndio que o consumiu, no Rali dos Açores de 1986, que motivou o final da carreira desportiva de Joaquim Moutinho, que, nesse dia, tomou a decisão de abandonar as competições.

Cerca de 20 anos depois, o ex-Campeão Nacional de Ralis, ainda vestiu uma última vez o fato de competição, calçou as luvas e colocou o capacete para experimentar o Renault Clio S1600 da equipa oficial da Renault, então habitualmente conduzido por Pedro Matos Chaves. Um exercício, meramente lúdico e fora do âmbito da competição, mas que lhe permitiu constatar a notável evolução geracional dos carros de ralis, que, contudo, e como constatou na altura, tinha algo em comum, o mesmo “aguerrido” ADN.