O mercado automóvel nacional prepara-se para um período de grande incerteza e, também, de prejuízos indefinidos, face aos cenários mais negros da pandemia de Covid-19 (coronavírus). O primeiro alerta mais sério foi lançado por Hélder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), que comparou os efeitos do coronavírus na economia ao impacto de uma terceira guerra mundial.

Os representantes nacionais das marcas automóveis não se distanciam muito desta posição do representante da ACAP, preparando-se para uma situação mais dramática no que diz respeito ao mercado automóvel em Portugal, tendo já como espelho representativo o panorama de países como a Itália, onde a indústria automóvel – da produção ao retalho – praticamente estagnou fruto das medidas de isolamento forçado que foram impostas pelo Governo local.

No entanto, essa também já é uma certeza para Sérgio Ribeiro, membro do conselho executivo da Salvador Caetano e CEO das operações para Portugal da Hyundai e da Honda, para quem a paragem é um cenário praticamente garantido, restando saber qual a duração dessa mesma inatividade e o prejuízo daí decorrente.

“O nosso feeling é que isto vai parar. Nós estamos a notar já nos últimos dias, de dia para dia, uma quebra monumental de entrada de negócios. Portanto, acho que isto [o mercado] vai parar, a questão é quanto tempo. Se dura um mês e meio, dois meses, quatro ou seis é completamente diferente o impacto. Se forem dois meses o impacto é brutal, mas se for muito mais não sei muito bem o que é que vai acontecer”, explicou em declarações exclusivas ao Motor24.

Sérgio Ribeiro, responsável pelas operações em Portugal de Hyundai e Honda, entre outras companhias.

Aponta, também que “o setor do rent-a-car está já numa situação catastrófica, já hoje. Estão a cancelar encomendas, a entregar tudo o que sejam contratos dos carros que ainda não chegaram aos parques. Estão a cancelar tudo, pelo que as marcas vão ficar cheias de stocks. E o mercado particular já está quase a parar neste momento e vai parar nos próximos dias. Pelo que acho que vamos ter quebras do género do que aconteceu em Itália, de 90%, por aí. Agora, se isto for dois meses é um impacto monumental, mas é algo que se ultrapassa. Se for três, quatro ou cinco… Não sei bem o que é que vai acontecer. Estamos a falar de milhões e milhões em carros”.

Por fim, aquele executivo apela a uma intervenção estatal no sentido de mitigar os efeitos do coronavírus nas empresas do setor, sob risco de se assistir a um desabamento ao estilo de castelo de carta. “Das duas uma – ou o Governo tem uma intervenção forte em termos de apoio às atividades, nomeadamente com o congelamento do pagamento de juros e os bancos sustêm esta quebra de procura mantendo as empresas a funcionar, ou então vai ser um castelo de cartas”, conclui.

Adaptação contínua à situação

Reconhecendo que esta é uma situação em evolução constante e com adaptação quase diária, Ricardo Tomaz, responsável de marketing e relações externas da SIVA, grupo importador de marcas como a Volkswagen, Audi ou Skoda, entre outras, frisou que o mercado tem de se preparar para o que ‘aí vem’.

“Temos de nos preparar para o impacto nas próximas semanas, porque o turismo morreu, sobretudo o turismo espanhol, pelo que o negócio do rent-a-car vai estar parado. Depois, o que podemos começar já a notar é algum fenómeno de adiamento da decisão de compra. As pessoas não estão neste momento… Não vão tomar decisões”, referiu também ao Motor24.

“Nós vamos cumprir os nossos compromissos, mas há uma coisa que é certa: a montante, a produção vai parar. A Autoeuropa vai fechar e o [Herbert] Diess, CEO do grupo, já anunciou que as fábricas todas vão fechar gradualmente. Portanto, não vai haver produção e não vai haver encomendas. Vai-se vender o stock que há. As empresas vão tentar escoar o stock que têm, mas não podemos pensar que vamos ter procura. E isto num cenário em que não haja situação de emergência. Nesse caso, é difícil…”.

Admite, porém, que por enquanto, “os concessionários estão abertos, a SIVA está aberta, apesar de uma maioria das pessoas estarem a trabalhar a partir de casa, mas tudo normal no funcionamento da operação, como as oficinas, etc. Mas todos os dias tem de se fazer uma atualização”, afiançou.

Da parte do Grupo Renault, Ricardo Oliveira, diretor de comunicação, não consegue ainda efetuar uma estimativa concreta do que se irá perder com a paragem esperada. “É extremamente difícil dizer o que estimamos. Já há uma semana que sentimos tudo a parar. Honestamente, sabemos que a atividade vai-se reduzir a praticamente zero durante uma série de tempo, só não sabemos é quanto é que será esse tempo”.