LM002, o terceiro da linhagem
O LM002 teve como antecessores o Cheetah e o LM001, ambos com recepção pobre, fazendo parte de uma série de veículos intitulados Lamborghini Militaria. Ambos possuíam unidades motrizes V8 de origem Americana em posição traseira através da ligação do construtor de Sant’Agata Bolognese com a Chrysler, agora proprietária da marca do touro.
O Cheetah foi construído em 1977 nos Estados Unidos com o intuito de ser vendido a empresas de exploração de derivados de petróleo e de fins industriais no geral. Apesar da ideia inicial, o único protótipo finalizado nunca chegou a ser testado pelo exército americano por problemas de fiabilidade evidenciados, sendo apenas exibido pelo seu designer Rodney Pharis. Mais tarde seria vendido à Teledyne Continental Motors, permanecendo nos Estados Unidos até à actualidade. Isto levou à criação do LM001, em tudo similar ao Cheetah, mas com aplicação de um motor V8 da AMC em 1981 pela mão Engenheiro da Lamborghini, Giulio Alfieri.
Foi finalmente definido que a colocação de um motor em posição traseira num veículo com finalidade de condução fora de estrada levaria a condições de manobrabilidade delicadas, o que levou a uma reestruturação plena do conceito da Lamborghini Militaria. Foi sob este prisma que surgiu o LM002. O motor seria movimentado para posição dianteira, sendo implementado o V12 de 5.2 litros do Countach (com taxa de compressão mais reduzida) a debitar 450 cavalos de potência e 500 newton.metro de binário, ao qual estariam acoplados três diferenciais autoblocantes para tracção às quatro rodas. O chassis tubular era completamente novo e a carroçaria seria concretizada em alumínio e fibra de vidro.
A exposição de um protótipo no Salão de Genebra de 1982 fez com que a percepção de venda do modelo como um veículo militar para as forças armadas americanas e sauditas fosse definitivamente posta de parte (apesar dos rumores não confirmados de venda de exemplares pós-1993 para o exercito saudita), mais que não fosse pela ideia da necessidade de afinar seis carburadores duplos em zonas de guerra ou pela preferência geral por um produto interno, o Humvee. A apresentação oficial ocorreria no Salão Automóvel de Bruxelas de 1986, sendo apelidado de “Rambo-Lambo” pela imprensa britânica pelo seu aspecto bruto, a tudo fazer lembrar um veículo militar de um filme de acção. Ao contrário do protótipo de interior simplista apresentado em 1982, este surgia equipado com inúmeras características de luxo, como interior em pele, vidros eléctricos, ar condicionado e sistema de som premium, e com um tanque de 169 litros, apropriado para os consumos estimados.
A Pirelli colaboraria com a Lamborghini para o desenvolvimento de pneus específicos para o LM002, os Pirelli Scorpion de 325 milímetros com tecnologia Runflat, que surgiam em duas variantes, uma para utilização mista e outra exclusiva para utilização em superfícies arenosas, ambas extremamente raras nos dias de hoje.
O trabalho de chapa e os interiores seriam concretizados na fábrica de Irizar, no País Basco, viajando esta para Sant’Agata Bolognese para a instalação da unidade motriz e restantes componentes mecânicos, acabamento, teste e entrega.
Nos primeiros modelos a considerável saliência central no capô tinha por intuito a acomodação da admissão e do sistema de filtragem de ar, montados directamente por cima dos seis carburadores duplos Weber capazes de funcionar em condições motivadas pelo combustível não ser o mais apropriado. Foi também implementado um sistema de dupla ventoinha sobre o enorme radiador do LM002, capaz de garantir o constante arrefecimento do mesmo. Em versões posteriores os carburadores seriam substituídos por um sistema de injecção de combustível que não exigia um sistema de limpeza de ar de grandes dimensões, sendo o capô modificado para melhorar a visibilidade na posição de condução.
LM002, um Golias das estradas
Uma série final de 60 unidades do LM002 seria designada de LM American, surgindo equipada com para-choques cromados, pintura personalizada, interior em pele de qualidade superior, pormenorização nas portas, entradas de ar para o motor modificada e jantes OZ/MSW.
Chegou inclusivamente a existir um LM003, idêntico ao LM002, mas com a Lamborghini a instalar um motor turbo de cinco cilindros a diesel. Com uma capacidade de 3.6 litros e uma potência de apenas 150 cavalos, a tarefa de movimentar os 2700 quilogramas do chassis era hercúlea, acabando por se desestimar por completo o projecto.
Para os seus clientes com sentimento de défice de potência, a Lamborghini disponibilizou o motor V12 L804 de 7.2 litros, mais comummente encontrado em lanchas de categoria 1, tendo sido desenvolvido apenas um exemplar nesta configuração, apelidado de LM004.
Evoluzione e a participação no Dakar
Em 1988 a Lamborghini construiria o primeiro exemplar do Evoluzione, uma adaptação do chassis HLA12047 com predominância pela cor branca. Foi removido todo o peso possível e foram incorporadas melhorias na suspensão, uma rollcage completa, janelas em plexiglas e equipamentos de navegação. O motor seria profundamente revisto, sofrendo um aumento para 600 cavalos de potência. Pelo ultrapassar do orçamento originalmente previsto para o projecto, a participação no Dakar acabou por não se concretizar. Este LM002 entraria no 6º Rallye des Pharaons de 17 a 27 de Outubro de 1987 no Egipto (apesar de não ter chegado a participar pela morte do patrocinador principal da equipa para o evento) e numa prova de Rally Raid na Grécia em 1988, ambas as vezes sob o comando de Sandro Munari e navegação de Mario Mannucci, campeões do mundo de rali em 1977. Após este período competitivo crê-se que um motor V12 original terá sido incorporado, tendo este exemplar sido vendido a um coleccionador que entretanto o colocou de acordo às especificações que possuía em 1987-1988.
O segundo exemplar de chassis HLA12048, laranja e com especificações técnicas em tudo similares ao primeiro, seria desenvolvido pela World LM Racing Team, baseada na Suiça. A participação no Paris Dakar ocorreria em 1988 aos comandos e navegação de Concet e Kurzen, tendo sido alcançada a 10ª posição na categoria Maratona. Apesar de se constatar a World LM como uma equipa privada, é importante referir que o chefe de mecânicos designado para a prova foi Maregrande, um dos especialistas da casa mãe no LM002, tendo sido apontado para conselheiro técnico Sandro Munari, o que evidencia um não distanciamento total de Sant’Agata Bolognese.
Lap of America de 1989
Como uma demonstração perante os seus actuais patronos e para popularizar a versão LM American, um exemplar do LM002 foi expedido para os Estados Unidos da América com o intuito de ser colocado em diversas provas sob as condições mais extremas, com particular foco para a Lap of America de 1989.
A juntar-se a dois pilotos apontados pela Chrysler estaria Sandro Munari. A relação entre os 3 seria algo atribulada ao longo da extensa prova, devendo-se primordialmente à inquietação de Munari relativamente à inexperiência de Joe Nastasi e John Harrison em rali, algo que ficou apaziguado quando Munari foi apresentado por ambos a Jay Leno, sendo o mútuo conhecimento alvo de gáudio. Outro episódio relata o roubo das chaves do LM002, ao que Joe Nastasi, importador de componentes para a Lamborghini America, decide remover a coluna de direcção e ignição, passando a ter que ser necessária a colocação de uma chave de fendas a partir de então, o que levaria a múltiplos problemas com as autoridades ao longo do resto da viagem.
Com os talentos de Sandro Munari ao dispor da equipa foi alcançado um sexto lugar, com louvores gerais para a fiabilidade do LM002, mas não tanto para o rácio consumos/capacidade de depósito.
Se pensarmos que o desenvolvimento generalizado de veículos deste segmento com este tipo de potência estava a décadas de distância, a produção do LM002 toma uma preponderância ainda maior. Na década de oitenta um veículo com 1,89 metros de altura, dois metros de largura e 0,3 metros de distância ao solo era sem dúvida impressionante, sendo que apesar dos seus 2700 quilogramas, o LM002 era capaz de concretizar o sprint dos 0-100 em apenas oito segundos, alcançando os 200 quilómetros por hora em asfalto e os 180 quilómetros por horas em terra. Logicamente que o consumo de combustível era um factor de relevo, havendo inúmeros relatos de proprietários que foram surpreendidos pelos consumos avassaladores do LM002 (médias de 35 litros/100 quilómetros), ficando sem combustível. O Lamborghini LM002 nunca teve como intenção um aspecto esguio ou aerodinâmico, mas antes o mais intimidante possível, ao que o visual era certamente auxiliado pelas duas ponteiras de escape a produzirem um som rouco e largamente audível.
Com um propósito final certamente díspar do inicial, a Lamborghini foi capaz de evidenciar uma lacuna no mercado, lacuna essa largamente explorada actualmente, apesar da aparente dificuldade em comparar a apetência para condução fora de estrada do LM002 com qualquer dos seus derivados actuais, ou não estivesse o conceito “SUV” a viver os tempos conturbados que todos conhecemos.