Raridades de viúvas

26/12/2018

Viúvas podem ser excelentes fornecedoras para o mercado de automóveis clássicos. Quando seus maridos se vão, o que fazer com os automóveis que eles acumularam com tanto esmero – caso não tenham elas o mesmo interesse pelo hobby?

Há, basicamente, dois tipos de viúvas de antigomobilistas. As que sentem genuíno apego sentimental pelo legado de seus falecidos maridos. E as que não tem o menor apreço pelos “cacarecos” reunidos por eles. Para estas, os automóveis não passam de dispendiosas tranqueiras ocupando espaços cobiçados para outras atividades. Ou de capital imobilizado que poderia muito bem financiar uma casa nova ou uma viagem à Europa.

No primeiro caso, é muito difícil negociar com a viúva. Cada veículo contém algo que alude ao falecido, ou foi personagem de algum episódio importante na vida do casal. Aí, a negociação é delicada, demorada, e, muitas vezes, inconclusiva. Para que o negócio tenha alguma chance de sucesso, é preciso conquistar primeiro, com muita paciência, a confiança da herdeira , de modo que em algum momento ela decida se desfazer de uma ou mais peças. Neste caso, valem visitas esporádicas à sua residência para “paquerar” o automóvel, e até o envio de flores e mimos para convencê-la de que o veículo será muito bem tratado pelo novo dono – afinal, um cavalheiro. Por uma ou outra razão, algum dia elas acabam cedendo. Água mole em pedra dura…

Bem mais fácil é negociar com a viúva que não tem apego sentimental pela herança do ex. Nesses casos, a negociação gira, basicamente, em torno de valores, como em qualquer transação comercial. Como hoje todo mundo está conectado à internet, ou a viúva tem um filho ou neto geek, ela provavelmente sabe exatamente quanto vale a raridade estacionada na garagem. E ainda pode inflacionar o preço alegando, espertamente, “valor sentimental”. No entanto, acredite, essa frágil resistência inicial dificilmente resistirá à uma boa oferta de pagamento à vista.

Em qualquer dos casos, porém, o respeito à memória do antigo proprietário – que investiu tempo, dinheiro e cuidou dos automóveis com tanto carinho – é fundamental. Primeiro, porque um dia o seu próprio espólio automotivo poderá se encontrar na mesma situação… E, depois, porque você não vai querer o espírito do falecido assombrando a sua futura aquisição, não é?

Fotografias: Eduardo Scaravaglione

Irineu Guarnier / Jornal dos Clássicos


Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.