Existiram apenas três gerações GT Four, criadas sobre três gerações diferentes de Celica, tendo este sido mais uma das vítimas das alterações do regulamento WRC em 1997, e do fim do grupo A.
A saga GT Four começa na 4º geração Celica, com o ST165, produzido entre 1986 e 1989. É o primeiro Toyota a usar o famoso motor 3S-GTE, com dois litros turbo, quatro cilindros, 16 válvulas, e um intercoolerágua-ar. A pequena dimensão do turbo e o sistema T-VIS (eram usadas duas condutas de admissão para cada cilindro, uma para cada válvula de admissão, sendo a baixos regimes uma dessas fechada para criar uma maior turbulência no ar admitido e melhorar a eficiência da mistura ar-gasolina) ajudavam a mitigar o turbo-lag e a maximizar a performance em todos os regimes. Resultado: 185 cavalos (190 em alguns mercados) e 250 Nm de binário.
Como qualquer homologação do Grupo A de WRC, o GT Four tinha tracção às quatro rodas, sendo que as primeiras versões do ST165 estavam equipadas com um diferencial central que podia ser bloqueado manualmente, passando a um diferencial de acoplamento viscoso em 1987.
As diferenças a nível estético são muito, muito subtis: para-choques frontal e traseiro ligeiramente diferentes, e guarda-lamas alargados para acomodar vias mais largas da versão de competição. No interior víamos o equipamento a ser reforçado face à versão GT 2.0.
As opiniões dos ensaios efectuados na altura são unânimes a considerar o Toyota aquém dos seus rivais. O peso do Celica era o principal problema apontado. Com cerca de 1400 kg, era cerca de 125 kg mais pesado que por exemplo o Sierra Cosworth. Uma potência abaixo da expectável para o arsenal tecnológico do ST165, e relações de caixa longas que acentuavam ainda mais a desvantagem de peso, com o Celica a ser mais de um segundo mais lento dos 0 aos 100 km\h que o Sierra Cosworth ou Audi Quattro.Na prática, era uma experiência de condução bastante mais refinada que o Celica GT 2.0, mas a performance era apenas marginalmente superior (e com um acréscimo significativo de preço), e muito aquém dos rivais da Lancia, Ford e Audi. Não é, por isso, surpresa que a performance comercial do ST165 tenha sido bastante tímida, e tal como na altura, hoje seja uma visão extremamente rara nas nossas estradas.
Foi sobretudo na competição que o ST165 se fez notar, ao registar as primeiras vitórias para a Toyota no WRC, com Juha Kankkunen, Carlos Sainz e Armin Schwarz, e ao abrir caminho para as evoluções seguintes do GT Four.
A segunda geração do GT Four – ST185 – é construída entre 1989 e 1993, a partir da 5ª série Celica, que seguia a tendência japonesa da altura e adoptava o “bio design”, que, mantendo na generalidade a mesma base mecânica do ST165, troca as linhas acentuadas e vincadas deste por curvas e formas mais orgânicas. Este, sobretudo na versão de competição, branco com os grafismos verde e vermelhos da Castrol, será sem dúvida a versão que os leitores da minha geração mais recordarão. Não só pela presença marcante no WRC como também pelas horas passadas a jogar Sega Rally…
O ST185 via a potência aumentar para os 204 cavalos, graças a evoluções no bloco 3S-GTE, incluindo um turbo Twin Scroll (algo que só hoje começamos a ver como era comum em automóveis desportivos actuais), apoiado por um intercooler ar-ar, alimentado pela distinta entrada de ar no capot. A transmissão da potência ao solo continuava a ser entregue a um sistema 4WD com diferencial central viscoso (e um Torsen no eixo traseiro, em algumas versões, como a RC \ Carlos Sainz Edition). No entanto, isto não era o suficiente para a Toyota, que quis criar algo mais específico para a sua base de homologação.
Ainda assim, as opiniões da altura não diferem muito do antigo ST165: um automóvel eficaz, com um designinteressante, surpreendentemente confortável, mas demasiado pesado e aquém dos rivais a nível de performances e desempenho global.
Na competição a conversa é outra, com o ST185 a levar ao título de Campeão do Mundo de WRC Carlos Sainz (1992) Juha Kankkunen (1993) e Didier Auriol (1994), e dando o campeonato de construtores à Toyota em 1993 e 1994.
É aqui que as coisas se tornam interessantes.
A sexta geração Celica é, no mínimo, desconhecida de muitos. Com ela a Toyota fez o trabalho de casa e tentou diminuir o fosso entre o Celica e os concorrentes directos.
Todo este arsenal resultava em 5.9 segundos dos 0 aos 100 km/h (valor que sempre se revelou difícil de replicar em condições reais), 240 km/h de velocidade máxima. Um automóvel com um comportamento bastante mais directo que os seus antecessores, com um trem frontal mais incisivo graças também a uma direcção mais directa, e uma traseira mais modelável com o acelerador.
Ainda assim, apesar de todo este esforço, o Celica continuou a ficar à sombra dos seus concorrentes directos (Subaru e Mitsubishi), mais leves, rápidos e dinâmicos que ele, e acima de tudo substancialmente mais baratos.
Para agravar ainda mais a situação do ST205, a sua imagem na competição ficou marcada pela desqualificação do campeonato em 1995, no Rally da Catalunha, por utilização de um restritor ilegal na admissão, aparelho que o próprio Max Mosley, presidente da FIA na altura, classificou como o objecto mais sofisticado que ele tinha visto nos últimos 30 anos de competição automóvel. Não resisto a deixar uma imagem aqui:
Onde vem então a parte interessante, perguntam vocês. A parte interessante é comprar um, agora!
Não ascendendo a um estatuto de ícone como o Mitsubishi Evolution, os preços actuais para um exemplar em bom estado dum ST185 ou ST205 rondam a metade do Mitsubishi.
Claro que o mesmo não se pode dizer em relação a um Subaru Impreza GT. Mas se falarmos num GT Prodrive, os preços aproximam-se. Contudo, o Celica é bastante mais exótico, raro (o preço alto enquanto novo encarregou-se disso), e com um design marcante. Não que o um Impreza ou Evolution sejam feios, mas o Celica sempre foi o único coupé do “grupo”, e com linhas extremamente bem conseguidas e proporções equilibradas, para além das inerentes vantagens em termos de baixo centro de gravidade e rigidez torcional do chassis.
E se, tal como eu, aquando do lançamento da sexta geração Celica, ficaram desiludidos com a perda dos icónicos faróis escamoteáveis e das linhas esguias, desafio-vos a olharem bem para um hoje. Eu faço-o, todos os dias. A expressão “mini-Supra” assenta-lhe bem, mas é tão mais que isso. As proporções são completamente distintas dos outros automóveis modernos com quem convive na estrada. O capot longo e os ombros musculados denunciam que o GT Four é para ser levado a sério.
E depois há a pièce de résistance dos GT Four. Algo que já abordei levemente nos parágrafos anteriores. Algo que – podem dizer que estou a ficar velho – cada vez mais dou valor.
O GT Four, em todas as versões, é um automóvel confortável. Surpreendentemente confortável. É com foco nesta característica que concentrei o meu olhar sobre o GT Four, sobretudo o ST205: É um GT. Um grande GT. Um Grand Tourer rápido, e extremamente eficaz em todo o tipo de estrada, refinado, silencioso, com um escalonamento de caixa perfeito para longas tiradas, mas com um motor cheio de flexibilidade e binário nos regimes intermédios e uma estabilidade e uma tracção notáveis, para ser implacavelmente rápido nas estradas secundárias. Com um equipamento acima da média, bancos desportivos mas com inúmeras regulações, bons acabamentos interiores, excelente ergonomia…
Claro que esta abordagem de GT confortável pode não parecer tão exótica como a abordagem “hard core” de um Mitsubishi Evolution, mas a verdade é que a própria Subaru a tentou, com o Impreza P1. Não retira qualquer valor ao GT Four. Pode tirar uns segundos aqui e ali, e perder alguma da acutilância que os seus adversários tinham mas, de certa forma, ao não ter ido atrás dos outros, criou um lugar próprio para ele, no mundo dos Grupo A. Um lugar solitário, mas isso não significa que deva ser esquecido. Pelo contrário, se calhar chegou a altura de conhecer melhor o GT Four.
Telmo Gomes/Jornal dos Clássicos
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