Aviões e carros de corrida têm o mesmo DNA

23/02/2023

Carros de competição e aviões têm mais coisas em comum além de utilizarem motores de alto desempenho, serem construídos com materiais leves e resistentes e alcançarem grandes velocidades. Não seria exagero dizer que compartilham o mesmo DNA.

Desde a década de 1930 automóveis – como o Chrysler Airflow, desenvolvido com a colaboração de Orville Wright, um dos pais da aviação, além de outros exemplares do movimento Streamline – já copiavam o design aerodinâmico dos aviões para vencer a resistência do ar com maior eficiência. Mas foi nas pistas de competição que os carros mais aproveitaram a experiência aeronáutica da relação com o ar – só que fazendo tudo ao contrário do que é feito na aviação.

Nos aviões, o design faz com que o ar flua mais rapidamente pela parte superior da asa, gerando com isso pressão vertical de baixo para cima. É essa força ascensional que sustenta o avião em voo. Os carros de competição, notadamente os monopostos da Fórmula 1, também possuem “asas”: os aerofólios. Só que esses dispositivos têm função diversa à das asas dos aviões. São, na verdade, asas invertidas. Nos monopostos, o papel das asas dianteira e traseira é criar pressão aerodinâmica de cima para baixo (dowforce), para fazer a máquina “grudar” no chão. Em altas velocidades, a pressão do ar que flui pelas asas de um Fórmula 1 é equivalente ou superior ao peso do carro. Teoricamente, o veículo poderia correr de cabeça para baixo no teto de um túnel.

Nem sempre os carros de corridas tiveram asas. Até meados da década de 1960 os “bólidos” não possuíam esses dispositivos – e talvez por isso “decolassem” com muita facilidade. Foi no Grande Prêmio de F1 da Bélgica, em junho de 1968, que as equipes Ferrari e Brabham levaram para a pista de Spa-Francorchamps os primeiros carros equipados com asas traseiras – cópias menores do modelo implementado dois anos antes por Jim Hall nos protótipos Chaparral, da Can-Am, nos Estados Unidos. A ideia era tão boa que seria adotada por praticamente todas as categorias do automobilismo mundial.

Não por acaso, foi um ex-engenheiro aeronáutico, Colin Chapman, da Lotus, quem mais investiu no desenvolvimento de soluções aerodinâmicas, ao ponto de ser considerado por muitos pesquisadores como o introdutor do aerofólio na F1. Profundo conhecedor da física do voo, Chapman levaria a simbiose automóveis-aviões ainda mais longe, com a criação do carro-asa, no final da década de 1970. Agora, além dos aerofólios, as carenagens laterais dos carros também tinham o formato de asas invertidas.

Foram os aerofólios que permitiram o extraordinário crescimento da velocidade em curvas, já que as velocidades finais em retas não se alteraram muito nos últimos 50 anos. Pressionados contra o piso pelo ar que flui pelas asas, os carros passaram a fazer curvas com mais agilidade sem desgarrarem, como se vê atualmente em corridas de F1, de Fórmula Indy e do campeonato mundial de Endurance.

Hoje em dia, quando materiais compostos muito utilizados pela indústria aeronáutica, como o kevlar e a fibra de carbono, já fazem parte rotineiramente dos carros de corrida e dos esportivos de passeio, assim como as asas, o “parentesco” entre automóveis e aviões é cada vez mais evidente.


Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.