Aventura espacial inspirou Volvo a salvar vidas de crianças

15/10/2020

Neste meio século que passou desde que o Homem chegou pela primeira vez à Lua, a aventura espacial permanece como uma mola de enorme desenvolvimento tecnológico, do qual todos beneficiamos, cá em baixo, na Terra.

Vários objetos do dia a dia tiveram a sua origem ou forma largamente impulsionada pela exploração espacial – desde o smartphone às raquetes de ténis, passando pelos implantes cocleares e pelos pacotes de batatas fritas ou óculos com proteção antirrisco e anti raios UV (Ultra Violeta), a exploração espacial está no nosso quotidiano, mesmo sem darmos por isso.

A Volvo também se inspirou na exploração do Espaço para conceber um modo de transporte das crianças que fosse mais seguro.

A história envolve John Herschel Glenn Jr., o primeiro astronauta norte-americano a entrar em órbita da Terra, a bordo da nave Mercury-Atlas 6, batizada por Glenn como Friendship 7, em 20 de fevereiro de 1962, numa missão do Projeto Mercury, o primeiro projeto tripulado de exploração espacial da NASA (agência espacial dos Estados Unidos).

O astronauta John Glenn nasceu em julho de 1921 e faleceu em dezembro de 2016 (95 anos).

Foto: NASA

Glenn foi o primeiro norte-americano a orbitar a Terra em 1962 e tornou-se em 1998 a pessoa mais velha a ir para o espaço na missão STS-95 no spaceshuttle Discovery, com 77 anos de idade.
Foto: NASA

Glenn foi um dos sete pilotos eleitos para o programa Mercury e o terceiro a ser enviado ao espaço no Projeto Mercury (os dois voos anteriores foram sub-orbitais).

Foto: NASA

Em 1999, a NASA renomeou o centro de pesquisas Lewis, em Ohio, como John H. Glenn Research Center, em homenagem ao pioneiro astronauta.

Foto: NASA

Embora não tenha sido o primeiro ser humano a ir ao espaço (esse feito pertence ao soviético Iuri Gagarin que, a bordo da nave Vostok 1, deu uma volta completa em órbita ao redor da Terra, em 12 de abril de 1961), foi a odisseia de John H. Glenn Jr. que fez com que um professor e médico sueco ficasse desperto para o desenvolvimento de uma solução de transporte de crianças nos automóveis que fosse mais segura.

John Glenn haveria de dar três voltas completas sobre o planeta Terra durante quatro horas e 55 minutos e uma das pessoas que acompanhava em direto a emissão televisiva a preto e branco era o professor universitário e médico Bertil Aldman.

“Uma vez em vôo, a [nave] Mercury será inclinada, para que o astronauta viaje de costas”, diria o locutor do noticiário da NBC.

Para Bertil Aldman, que assistia a este histórico acontecimento na Suécia, essa única frase gerou no seu espírito uma ideia que haveria de salvar a vida de milhares de crianças suecas.

Cabeças mais pesadas face ao corpo

Bertil Aldman sabia que o pescoço das crianças é, cientificamente, o seu ponto fraco num acidente.

A razão é simples: os pescoços das crianças ainda estão em desenvolvimento, não se encontrando preparados para absorver um impacto da mesma forma de um pescoço de um adulto.

Outra evidência: a cabeça das crianças é bastante pesada em comparação com o resto do corpo. As vértebras, ou seja, os ossos do pescoço, ainda estão a crescer.

Bertil Aldman entendeu, assim, que o método de transportar os astronautas deveria ser transposto para o modo de sentar as crianças nos automóveis – era a forma que mais garantias dava para oferecer uma maior capacidade da energia que é libertada num acidente de viação (sobretudo num impacto frontal) poder ser absorvida, minimizando o risco de lesões.

Para chegar ao modo mais seguro de acomodar uma criança num automóvel era, assim, preciso perceber como as crianças mais novas “estão projetadas” do ponto de vista mecânico e anatómico.

Nessa sequência, Aldman, que fundou a IRCOBI (International Research Council On Biomechanics of Impact), descobriu que a melhor maneira de proteger o seu próprio filho em caso de acidente de automóvel era apoiar o mais possível a cabeça e minimizar os movimentos no pescoço.

ASSIM NASCE O PRINCÍPIO DE TRANSPORTAR AS CRIANÇAS PARA TRÁS DO SENTIDO DA MARCHA.

Fotos: NASA

A primeira cadeira é, então, desenvolvida pelo professor universitário Aldman, tendo o primeiro protótipo sido testado num Volvo PV544 (uma versão mais moderna do PV444) em 1964.

Bertill Aldman (1925–1998), médico e professor em segurança rodoviária.

Inspirada nos assentos usados pelos astronautas quando viajavam nos foguetões, esta cadeira ficava virada para a retaguarda, ajudando, assim, a repelir as forças envolvidas na aceleração e a distribuir a energia numa colisão.
Inspirado na forma de viajar inclinada para trás dos astronautas, Bertil Aldman, médico e posteriormente professor de segurança rodoviária na Chalmers University of Technology, em Gotemburgo, desenvolveu o primeiro protótipo de uma cadeira de criança em 1964. A Volvo esteve intimamente envolvida no seu desenvolvimento e os testes foram realizados num PV544.

Banco do passageiro que se vira para trás (1967)

A primeira cadeirinha a ser vendida a clientes foi criada rodando o próprio banco do passageiro dianteiro para trás. Foi adicionado um encosto acolchoado com correias para garantir maior segurança. A solução foi vendida como um acessório opcional, disponível no modelo Volvo Amazon.

Volvo Amazon com banco rotativo: vira-se para trás para se adaptar ao transporte de uma criança.

Cadeirinha Volvo no sentido contrário ao da marcha (1972)

A cadeira de segurança para crianças no sentido contrário ao da marcha acabaria por ser lançada pela Volvo em 1972.

De resto, o modo de transporte das crianças virado para trás a ser um dos motivos principais para que, ainda hoje, a gravidade dos ferimentos causados em crianças que viajam dessa forma seja significativamene menor. Basta atentar para as estatísticas que referem que, em 2019, na Suécia apenas 9 crianças menores de 18 anos morreram em acidentes de trânsito.

Costas, cabeça e pescoço amparados uniformemente
As crianças têm o pescoço muito frágil e a cabeça grande e pesada. Por isso, devem viajar em cadeirinhas voltadas para trás até aos 4 anos. “Só assim, numa colisão frontal (as mais frequentes e, regra geral, mais graves), as suas costas, a cabeça e o pescoço serão amparados uniformemente.

As cadeiras voltadas para trás são as que protegem de forma mais eficaz – em caso de acidente, podem salvar a vida de 9 em cada 10 crianças. Nunca podem ser instaladas no lugar da frente se houver um airbag frontal ativo”, refere a APSI (Associação para a Promoção da Segurança Infantil).

Só em 2019, os acidentes rodoviários provocaram inúmeras vítimas mortais: 22.800 nos 27 Países da União Europeia (Dados: European Commission); 472 em Portugal (Dados: ANSR); e 221 na Suécia (Dados: Official Statistics of Sweden).

Desde a década de 1970, a Volvo tem, por isso, insistido na mensagem de que as crianças devem estar sentadas e viradas para a retaguarda até aos 4 anos de idade. A razão? A ciência mostra que é, de longe, a opção mais segura.

Lotta Jakobsson é uma das principais especialistas mundiais em segurança rodoviária e uma proeminente técnica do Volvo Cars Safety Centre, em Gotemburgo.

Lotta Jakobsson (Volvo)

Numa entrevista exclusiva ao Watts On, da qual publicamos aqui a primeira de duas partes, Lotta Jakobsson abordou as evoluções e as novidades que podemos vir a ter nos próximos tempos acerca do transporte seguro de crianças num automóvel.

► O transporte das crianças viradas para trás até aos 4 anos de idade continua a ser uma bandeira da Volvo. Baseado na sua experiência, essa recomendação é transposta para a realidade por parte dos automobilistas? Ou o que se vê na prática é a pura negligência desta regra de segurança?
Lotta Jakobsson: A defesa do transporte de crianças voltadas para trás até, pelo menos, aos 4 anos de idade é algo muito da Suécia quando comparado com o resto do mundo. Na Suécia temos algo como 80% de crianças até aos 2 anos de idade a serem transportadas viradas para trás. É uma percentagem elevada pois faz parte da tradição sueca. Portugal tem até uma boa organização [a APSI, Associação para a Promoção da Segurança Infantil, n.d.r.] que procura sensibilizar os condutores para esta realidade, o que é positivo. De um modo geral, no resto do mundo o que se assiste é que a maioria dos condutores apenas transporta as suas crianças para trás até elas atingirem um ano de idade. E isso é uma questão de vida ou de morte. Numa situação de um impacto de grande severidade, se a criança estiver voltada para trás é muito melhor protegida do que se ela estiver a viajar voltada para a frente. Tendo nós assumido como objetivo que ninguém fique gravemente ferido ou morra num acidente rodoviário num veículo novo, não existe alternativa e temos de ir para a melhor solução no que respeita ao modo mais correto de transportar as crianças.

► E como será possível fazer com que os condutores alterem o seu comportamento?
Lotta Jakobsson: A melhor forma é através da comunicação, dando aos pais os factos e informações para que saibam que existe uma diferença para a proteção da criança caso ela seja levada no automóvel virada para trás ou para a frente. E esse foi, no meu entender, o ponto de sucesso na Suécia, pois toda a gente, de empresas a autoridades, transmitiram a mesma mensagem. Temos de fazer com que as pessoas compreendam que os pescoços e as vértebras das crianças não estão ainda inteiramente desenvolvidos, não tendo ainda a sua forma integralmente assumida quando comparado com o pescoço de um adulto. Há diferenças mecânicas na forma como as energias de impacto são absorvidas pelo corpo, consoante seja o de uma criança ou de um adulto.

► Está a trabalhar no Volvo Safety Center nalgum tipo de proteção para crianças que possamos ver nos próximos modelos?
Lotta Jakobsson: A forma que na Volvo assumimos como devem ser transportadas as crianças segue o modo como o próprio país, a Suécia, aborda o assunto, ou seja, defendendo que as crianças até aos quatro anos de idade deve viajar no sentido contrário ao do trânsito e a partir dos quatro anos de idade as crianças devem usar o cinto de segurança do automóvel juntamente com um sistema de retenção adequado. Essa é a melhor prática. Depois é uma questão de tornar estes princípios tão atrativos de usar quanto possível. No caso da Volvo temos alguns bons exemplos, de assentos para crianças integrados nos próprios bancos de alguns dos nossos veículos, que demonstram ser muito convenientes e seguros. Este tipo de solução integrada poderá ser cada vez mais importante no futuro, inclusive com as pessoas a partilharem mais veículos, ao estilo de táxis ou carpooling. Tem de ser algo muito fácil de usar, quer esteja já dentro do carro ou quer seja trazido de fora.

Em 1976, a Volvo lançou o banco elevatório de criança.
Em 1990, introduziu o assento elevatório integrado no banco do próprio veículo.
Em 1999: primeira cadeira voltada para a retaguarda com integração ISOFIX.
O primeiro assento elevatório integrado num Volvo apareceu em 1990, num Volvo 850.

► E o que podemos ver em breve nos próximos Volvo?
Lotta Jakobsson: Não posso revelar nenhum elemento em concreto. Mas posso falar quais os tipos de áreas que temos trabalhado. Posso dizer que veremos um regressar às origens e a um tornar mais simples algumas soluções, especialmente no que dizem respeito à segurança infantil. Pensamos que a indústria da segurança infantil está a mover-se numa direção errada, fazendo cadeirinhas de criança maiores. Procuraremos regressar à essência, promovendo soluções pequenas que encaixem facilmente no veículo e funcionem bem conjuntamente com o automóvel. Poderá ser uma solução já presente na própria construção do automóvel ou pode ser um acessório de aftermarket na linha do que inventámos em 1978. Podemos torná-la mais fácil de usar, mas esse será o tipo de caminho por onde iremos – inteligente, atraente, mas de regresso à essência.

► E quando podemos ver esses desenvolvimentos? Pode dar-me uma data?
Lotta Jakobsson: Não sei e mesmo que soubesse não lhe podia dizer! Mas trabalhamos para que as famílias ou as futuras famílias utilizem mais facilmente os sistemas de retenção de cada vez que troquem de veículo, mesmo numa solução de carpooling ou táxi.

 

  • ► Sabia que…
    … de acordo com a Organização Mundial de Saúde, os acidentes rodoviários são a principal causa de morte no grupo etário dos 10-19 anos?
  • O uso de sistemas adequados ao transporte de crianças é capaz de reduzir no mínimo em 60% o número de mortes.
  • “Os benefícios de segurança das crianças viajarem viradas para a retaguarda até aos 4 anos de idade são inquestionáveis, mas muitos pais, inadvertidamente, permitem que seus filhos fiquem sentados voltados para a frente muito cedo”, salienta Lotta Jakobsson.